Título: Desaceleração exige sintonia fina na política monetária
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Fonte: Valor Econômico, 10/06/2011, Opinião, p. A12

Os reflexos da alta dos juros, do crédito mais caro e escasso e dos cortes do orçamento na economia são visíveis nos dados do Produto Interno Bruto (PIB), que acabam de ser divulgados.

O PIB cresceu 1,3% no primeiro trimestre deste ano em comparação com o fim de 2010. Foi um desempenho melhor do que o registrado na segunda metade de 2010, quando o PIB teve aumento de 0,4% no terceiro trimestre e 0,8% no quarto. Mas a desaceleração fica claramente visível quando se examina um horizonte mais longo. O PIB cresceu 4,2% nos doze meses fechados em março, depois de ter emplacado 7,5% em todo o ano passado. O desempenho é menor ainda quando se lembra que, exatamente em março passado, o PIB brasileiro deu um salto chinês de 9,3% e, em junho, manteve o pique, com 9,2%.

O Brasil ficou em 20 º lugar entre os países que já divulgaram o PIB do primeiro trimestre, e bem distante dos mais bem colocados, Chile (9,8%) e China (9,7%). Os números do primeiro trimestre levaram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a reduzir para 4,5% o crescimento esperado para o ano todo, abaixo dos 5% projetados anteriormente, embora as previsões do mercado oscilem de 3,4% a 4,7%.

Um dos principais motivos da desaceleração da economia foi o comportamento do consumo das famílias, que representa 60% do PIB pelo lado da demanda. O consumo das famílias cresceu 0,6% no primeiro trimestre, um quarto do registrado no último trimestre de 2010 (2,3%). Há 30 trimestres, o consumo das famílias vem crescendo, mas este foi o de desempenho mais fraco desde 2009, o ano em que a crise internacional atingiu em cheio o país e o PIB acabou caindo 0,6%.

A acomodação da trajetória de crescimento do consumo das famílias deve continuar nos próximos meses, especialmente com a defasagem de impacto que os juros têm na demanda. No entanto, não deve ser desprezado o efeito que o emprego e a renda em expansão têm na manutenção da demanda doméstica em patamares elevados.

O próprio Comitê de Política Monetária (Copom) indicou que o "ritmo ainda incerto de moderação da atividade doméstica" foi um dos motivos que o fizeram elevar a taxa Selic a 12,25% nesta semana, estratégia que considera a mais adequada "para garantir a convergência da inflação para a meta em 2012", de acordo com o comunicado sempre lacônico emitido para divulgar suas decisões.

Outro ponto importante no PIB do primeiro trimestre foi o aumento dos investimentos, de 1,2% sobre o quarto trimestre de 2010, acumulando 8,8% em doze meses, impulsionado pela compra e importação de bens de capital. Os dados são animadores. Os investimentos marcaram 18,4% em relação ao PIB, acima da média de 18,2% de 2010, embora abaixo dos 18,5% anteriores à crise e dos 20% a 22% considerados necessários para que a economia cresça 5% ao ano sem a indesejável pressão inflacionária.

Pelo lado da oferta, os dados do PIB mostram que a produção industrial cresceu 2,2% no primeiro trimestre e 3,5% em doze meses; a agricultura teve crescimento de 3,3% no trimestre e 3,1% em doze meses; e os serviços, 1,1% e 4%, respectivamente.

O crescimento do trimestre foi essencialmente devido a fatores internos. A atividade mundial fraca e problemas de competitividade da indústria neutralizaram a contribuição das exportações.

Há dúvidas se o ritmo vai se manter no resto do ano. A queda de 2,1% da produção industrial em abril sobre março, a maior registrada desde dezembro de 2008, é um sinal de que a desaceleração pode se aprofundar. Para analistas mais rígidos, a economia ainda está aquecida demais e novas elevações na taxa básica não podem ser afastadas para levar a inflação ao centro da meta em 2012, apesar de o PIB estar perto do potencial, com 4% a 4,5% de crescimento.

Especula-se que o festejado aumento dos investimentos tenha sido causado por uma antecipação das empresas que agiram antes das mudanças de condições dos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cuja oferta diminuiu e os custos subiram a partir de abril. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento trabalha em uma nova política industrial que quer levar a taxa de investimento em capital fixo para 23% até 2014.

A calibragem da política monetária entra agora em uma fase que exige maior sensibilidade das autoridades monetárias. Uma dose exagerada de aperto pode inibir os investimentos tão necessários para que o crescimento da economia mude de patamar.