Título: Respeito às decisões judiciais tributárias
Autor: Barbosa, Luiz R. Peroba ; Ayres, Fernando G, Souza
Fonte: Valor Econômico, 10/06/2011, Legislação & Tributos, p. E2

A velha assertiva "decisão judicial não se discute, cumpre-se", que no Estado de Direito atual certamente evoluiu para a assertiva "decisão judicial se discute, mas deve ser cumprida", convergem ambas (versões original e atual) no mesmo ponto: a imperatividade do cumprimento das decisões judiciais. As decisões judiciais, enquanto não forem reformadas, devem ser cumpridas sempre.

A coação é elemento fundamental do direito. Nas palavras do professor Miguel Reale, em suas "Lições Preliminares de Direito" (19ª Ed., página 72), a coação "não é o contraposto do direito, mas é, ao contrário, o próprio direito enquanto se arma da força para garantir o seu cumprimento. A astúcia do direito consiste em valer-se do veneno da força para impedir que ela triunfe".

Nas relações entre particulares, a certeza da aplicação da sentença é de fundamental importância, representa a própria manutenção da confiança na instituição do Poder Judiciário. O descumprimento de decisão judicial representa, por outro lado, fator negativo e extremamente nocivo. E a conduta que reside em descumprir, de forma acintosa, determinação judicial, ganha ainda mais representatividade negativa para a sociedade quando a parte desobediente é a chamada administração pública.

Vivemos um momento perigoso, principalmente no que se refere à relação entre os contribuintes e o Fisco. Sem considerar a louvável maioria dos casos, infelizmente ainda é possível se deparar, com relativa frequência, com situações de descumprimento a decisões judiciais por parte de autoridades representantes da administração pública: ordens judiciais para liberação de mercadorias, retidas como forma de exigir tributos, simplesmente ignoradas; determinações judiciais para a expedição de certidão de regularidade fiscal, postas de lado pelas autoridades competentes para emiti-la; lançamentos e cobranças de tributos com penalidades, mesmo quando o contribuinte já se encontrava protegido por ordem judicial. Apenas alguns exemplos mais comuns.

A certeza da aplicação da sentença é de fundamental importância

E as consequências para os contribuintes, em tais exemplos, são desastrosas. Basta imaginar os prejuízos assumidos por determinada empresa, ao ficar impedida de participar de licitações ou de obter financiamento para novos investimentos, em razão da não emissão de certidão de regularidade fiscal (a que tinha direito por determinação judicial). Ou então o dano causado pela arbitrária retenção de produtos em fronteira de algum Estado, como forma de arrecadação de tributo, mesmo que o Judiciário já tenha determinado sua liberação.

Mais do que isso, há atualmente uma tendência partindo de autoridades fiscais que, se realmente materializada, configurará violação ao princípio do respeito à coisa julgada, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. Tal tendência parece considerar que os julgamentos definitivos do Supremo Tribunal Federal (STF), favoráveis aos cofres públicos, devem ser aplicados automaticamente pelo Fisco, o que levaria a cobrança de tributos, mesmo de contribuintes beneficiados por decisões que os protegiam (das quais não cabem mais recursos).

Cabe ao Poder Judiciário, em situações como aquelas relatadas acima - da simples hipótese de desobediência a ordem judicial, para expedição de certidão de regularidade fiscal, até o caso de exigência de tributo afastado por decisão judicial transitada em julgado - agir com rigor, exigindo o cumprimento de suas decisões, mesmo que por meio extremo da utilização de instrumentos previstos em lei.

Não é exagero lembrar o que dispõe o artigo 330 do Código Penal, que define o crime de desobediência, no qual incorreria a autoridade administrativa (ou qualquer um) ao descumprir ordem judicial. Temos inúmeros casos em que juízes, confrontados e inconformados com tais situações, têm indicado a possibilidade de aplicação e, se necessário, efetivamente aplicado o que dispõe o artigo 330 do Código Penal. E é assim que deve ser.

Mesmo os juízes de direito que não estejam exercendo suas atividades em vara criminal, cujas ordens sejam desobedecidas, podem e devem, conforme amplamente reconhecido pela jurisprudência, decretar a prisão dos desobedientes quando em flagrante delito, pelo mencionado crime previsto no artigo 330 do Código Penal.

Em se tratando de matéria tributária, ademais, não se pode esquecer o tipo penal do artigo 316, parágrafo 1º, do Código Penal, que considera crime de excesso de exação a exigência de tributo ou contribuição que a autoridade "sabe ou deveria saber indevido". É o que, em última análise, caracterizaria a exigência de tributo afastado pelo Judiciário em decisão transitada em julgado.

Espera-se das autoridades administrativas que, em sua grande maioria zelam pela manutenção das instituições, que contenham abusos e obedeçam prontamente às decisões judiciais. E do Poder Judiciário, que aplique os instrumentos disponíveis para coagir à obediência às suas decisões judiciais.

Luiz Roberto Peroba Barbosa e Fernando Gomes de Souza Ayres são, respectivamente, sócio e consultor do Pinheiro Neto Advogados

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