Título: Para indústria, negociar cotas é difícil
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2011, Brasil, p. A6

De Bueno Aires

A ideia de negociar acordos de restrição "voluntária" das exportações à Argentina, pelos quais os produtores brasileiros se comprometem a não exceder um volume pré-definido de vendas ao país vizinho em troca de flexibilização das barreiras protecionistas, pode esbarrar em novas divergências entre as indústrias dos dois lados. A fixação de cotas para setores como máquinas agrícolas foi aventada pelo governo brasileiro como possível saída para a escalada do conflito no comércio bilateral.

No entanto, os casos específicos mostram que uma solução não será nada fácil. A indústria argentina de calçados propõe manter ou até diminuir a cota de importados do Brasil no âmbito do acordo firmado em meados de 2009, que se encontra nos últimos meses de vigência.

No ano anterior ao acordo, o Brasil vendeu 18,5 milhões de pares à Argentina. Isso representava 58% do total de calçados importados pelo país vizinho, segundo a consultoria IES. Pelo entendimento, as exportações brasileiras ficaram limitadas a 15 milhões de pares por ano, até o fim de 2011. Na prática, devido à aplicação de licenças não automáticas, têm ficado abaixo disso. No ano passado, foram 14,2 milhões de pares. Nos quatro primeiros meses deste ano, o volume alcançou 2,7 milhões de pares e o Brasil viu sua participação no mercado argentino reduzida para 48,4%, com o avanço de fornecedores asiáticos como Indonésia, Vietnã e Malásia.

Os dois países precisam definir como ficará o comércio a partir de 2012. "Estamos dispostos a renovar o acordo por mais três anos", disse ao Valor o presidente da Câmara da Indústria de Calçados (CIC), que representa os fabricantes argentinos, Alberto Sellaro. Como oferta inicial para sentar e negociar, ele fala em reduzir o volume de importados do Brasil a 12 milhões de pares. Admite a possibilidade de chegar, no máximo, aos mesmos 15 milhões. "E não mais!"

Os produtores brasileiros, embora não tenham começado a negociar, consideram a proposta inaceitável. A Abicalçados diz que o mercado argentino aumentou de tamanho desde o último acordo e o novo volume deve levar isso em conta. A CIC rebate. Para Sellaro, ceder agora seria interromper um processo de consolidação do setor, que produziu 108 milhões de pares de calçados e deverá alcançar 114 milhões de pares em 2011.

Outro setor que pode ser incentivado pelo governo brasileiro a buscar algum tipo de acerto com os argentinos é o de linha branca. A Eletros, entidade que reúne os fabricantes de eletrodomésticos, vai consultar seus associados sobre a conveniência de negociar um acordo de cotas "voluntárias" para as exportações à Argentina. "A experiência mostra que é bastante difícil, mas nunca vamos abandonar o diálogo", afirma o presidente da Eletros, Lourival Kiçula. Os fabricantes de geladeiras, por exemplo, chegaram a aceitar um acordo do gênero em 2004 e recusaram-se a renová-lo em 2006.

Kiçula rechaçou as acusações - feitas pela ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, em carta a seu colega Fernando Pimentel - de que a Eletros pressiona o varejo brasileiro a não comprar eletrodomésticos de linha branca fabricados no país vizinho. O governo argentino usa esse argumento para travar a entrada de geladeiras, fogões e lavarroupas do Brasil, exigindo reciprocidade na abertura do mercado. "Uma atitude dessas nunca passou pela nossa cabeça. Se tivesse acontecido, alguém do Cade já teria nos chamado por formação de cartel", diz Kiçula.

No setor automotivo, as montadoras instaladas na Argentina dizem que há mais de quatro mil veículos acumulados na fronteira, esperando a emissão das licenças não automáticas de importação pelo governo brasileiro. Segundo a Associação de Fábricas de Automotores (Adefa), ainda não se está discutindo diminuir a produção ou suspender turnos de trabalho. Está em análise, por enquanto, adiantar a produção voltada especificamente ao mercado interno.