Título: Para Mantega, câmbio flutuante ficou inviável
Autor: Travaglini, Fernando ; Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2011, Finanças, p. C8

Do Rio

O Ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixou claro que o país continuará adotando medidas para conter o fluxo excessivo de capitais que inunda o país e afirmou que o sistema de câmbio flutuante, no curto prazo, se tornou "inviável". Segundo ele, muitos analistas recomendam que o Brasil deixe a taxa flutuar livremente, mas de acordo com o ministro, as soluções de manual, hoje, não são suficientes. "Estamos administrando os fluxos de capitais. Não há outra saída", disse, em discurso no seminário "Administrando os fluxos de capitais em mercados emergentes", organizado pelo ministério em conjunto com o Fundo Monetário Internacional (FMI), ontem, no Rio. Mantega afirmou que a tendência é que a entrada de dólares nos países emergentes permaneça em patamar elevado por muito tempo, com efeito sobre a taxa de câmbio e tirando o "sono dos ministros da fazenda". "Dizem que o efeito [dos controles] é temporário e que depois a taxa tende a convergir. Mas o que queremos é justamente diminuir [o fluxo] por um certo tempo, porque depois as condições mudam. Quando o Fed [banco central dos Estados Unidos] subir a taxa de juros, o fluxo deve se reverter".

Ele disse ainda que "um ano e meio a dois anos" com a taxa sobrevalorizada é tempo suficiente para deteriorar "fortemente" o setor produtivo. "Para alguns analistas, a melhor solução para os mercados emergentes é deixar o câmbio flutuar livremente. Essa é uma solução de manual. Teoricamente isso levaria, a médio e longo prazo, a uma acomodação tanto dos fluxos quanto das taxas. Mas poderia levar um, dois ou três anos até encontrar um novo patamar de equilíbrio. E países que têm indústrias, como o Brasil, sofreriam uma deterioração forte dos parques industriais", defendeu.

O problema do câmbio flutuante, disse o ministro, é que nem todos os países adotam a solução de forma efetiva, o que causa distorções. A solução seria uma reforma completa do sistema monetário internacional, com a adoção do sistema de câmbio flutuante em todos os países. "Os desequilíbrios só podem ser resolvidos se houver uma sintonia cambial. Enquanto isso, os países emergentes têm que se defender."

O Brasil tem tomado uma série de medidas desde meados do ano passado como forma de impedir que o excesso de capitais traga efeitos perversos à economia, como a formação de bolhas de ativos ou pressões inflacionárias. "As medidas têm tido, sim, eficácia para reduzir a tendência de sobrevalorização da taxa de cambio. Há mais de um ano mantemos o mesmo patamar. Se não tivéssemos tomado essas medidas, estaríamos com relação cambial em torno de R$ 1,3 a R$ 1,4, causando sérios estragos nos exportadores de manufaturas e na concorrência da indústria nacional com produtos importados."

Boa parte do mercado acredita que de fato o trabalho do Banco Central (BC) para conter a inflação está na direção certa. "A comunicação mudou há algumas semanas e existe a disposição de manter o aperto monetário para garantir a convergência da inflação", disse um importante economista. Segundo ele, há uma expectativa por mais duas elevações da Selic, nos próximos dois encontros. "Essas elevações mostrariam a disposição do BC em controlar a inflação e seria importante para o processo de ancoragem das expectativas."

No primeiro dia do seminário do FMI, houve divergência quanto ao diagnóstico da instituição sobre as razões que têm motivado o forte fluxo de capitais para os mercados emergentes. Para o Fundo, os fluxos resultam de dois "ventos de calda": a política monetária expansionista dos Estados Unidos; e o aumento dos preços das commodities. Além disso, contribui para os ingressos a elevada tolerância dos investidores, neste momento, a tomar risco. Na avaliação do FMI, esses fatores são temporários e devem desaparecer assim que as economias ricas voltarem a crescer e a aumentar a taxa de juros para combater a inflação.

O seminário é um evento fechado do FMI do qual o Valor participou, mas, pelas regras, as declarações feitas durante o seminários foram em carácter reservado.

Para alguns participantes, o diagnóstico está errado. O bom momento vivido por economias emergentes, como China, Índia e Brasil, não é temporário. O chamado "flight to quality", expressão em inglês usada para denominar o interesse dos investidores pelos países ricos, diz respeito hoje, na verdade, aos emergentes.

Segundo um dos participantes do seminário, não faz sentido culpar a política monetária das nações desenvolvidas pelo grande fluxo de capitais. A taxa de câmbio no Brasil está apreciada por causa da melhora dos termos de troca do comércio do país com o mundo - os preços dos produtos exportados estão subindo mais que os dos importados. Tomando o conjunto dos países emergentes, os termos de troca estão no valor mais alto em 20 anos, segundo dados do FMI. Um participante afirmou que, dado o maior crescimento das economias em desenvolvimento, a tendência dos preços das commodities é subir.

Os fluxos de capitais para os emergentes, observou um participante, costumavam ocorrer de forma oportunística. Hoje as mudanças são estruturais e o atual ciclo de investimento pode durar 20, 25 anos. Multinacionais estão obtendo mais de 60% dos lucros nos mercados emergentes. Aumentar o controle de capital, disse um economista, não fará os investidores deixarem de aplicar nesses países.

Para um especialista, o diferencial de taxa de juros entre os países emergentes e os ricos é a razão mais importante dos atuais fluxos de capital. E esse diferencial deve prevalecer durante muito tempo. A razão é a diferença de crescimento econômico dos dois blocos. Esse crescimento obriga os bancos centrais desses países a aplicar juros mais altos para conter a inflação, o que acaba atraindo mais capitais.

Um economista alegou que não há autonomia de política econômica diante dos atuais volumes de fluxos de capital. Ele defendeu a criação de regras internacionais para disciplinar esses movimentos, pregando que elas não atinjam apenas os países que hoje recebem esses recursos, ao contrário do que propôs o FMI em abril, durante a sua reunião de primavera, em Washington.

Alguns participantes do seminário mostraram preocupação com a ideia de os países latino- americanos, onde a conta de capitais é mais aberta que a dos emergentes da Ásia, adotarem controles rígidos. Por mais que o fluxo de capitais tenha aumentado nos últimos anos, em algum momento, assinalou um economista, haverá um reequilíbrio na economia global, tornando os ingressos menos dramáticos e mais incrementais.

Entre os presentes estavam Olivier Blanchard, diretor do departamento de pesquisa do Fundo, Murilo Portugal, presidente da Febraban, José Antonio Ocampo, da Columbia University entre outros economistas e acadêmicos.