Título: Saída da UE pode ser dividir o euro, diz economista
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 27/05/2011, Finanças, p. C8
Do Rio
Em vez de um, dois euros. Para o economista Luigi Zingales, da Universidade de Chicago, a divisão da moeda pode ser a saída para o imbróglio europeu, abrindo espaço para países periféricos como Grécia, Portugal e Espanha conseguirem ajustar em parte as suas economias, ganhando alguma competitividade. Na cabeça do italiano Zingales, países como Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Finlândia e, possivelmente, a França teriam uma moeda mais forte, enquanto a divisa dos países periféricos seria mais fraca.
Com a possibilidade de ter um câmbio mais desvalorizado, esse grupo de economias teria um meio menos doloroso de se ajustar. Zingales reconhece que a sua proposta é improvável, mas diz que não é impossível.
O euro, segundo ele, foi desenhado de modo a tornar muito difícil a saída de seus membros. Para os países mais fracos, abandonar a união monetária poderia ser devastador, diz Zingales. O fato de as dívidas serem denominadas em euros complica muito essa opção, lembram analistas. "Teria que ser uma decisão consensual", afirma ele, fazendo uma analogia com o casamento.
"Chega um momento em que muitos casamentos não funcionam. É preciso então enfrentar a realidade. Mesmo que tenha havido muito amor no começo, é melhor que as partes busquem um acordo", compara Zingales, que participou ontem do seminário "Avanços na macroeconomia", no Rio, em comemoração aos 50 anos da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas. O evento segue hoje e termina amanhã.
Zingales diz que países como Grécia, Portugal e Espanha tiveram uma perda de competitividade muito grande em relação ao resto da Europa. Para complicar, são detentores de dívidas muito elevadas.
"Mesmo se fosse socialmente factível fazer o ajuste para ganhar competitividade por meio de uma queda dos preços, isso não seria possível de fato, porque levaria a um colapso econômico. As famílias espanholas que está muito endividadas, por exemplo, não teriam como absorver uma redução de salários." Com isso, o ajuste via deflação não é uma opção razoável.
Nesse cenário, diz Zingales, não está claro como vai ocorrer o ganho de competitividade em relação à Alemanha. As duas outras alternativas lhe parecem também pouco prováveis. Uma seria a Alemanha, altamente competitiva, aceitar uma inflação mais elevada no futuro próximo, uma possibilidade bastante remota. A outra seria promover um grande processo redistributivo em favor dos países periféricos, mas o risco de que isso se transforme em algo contínuo enfrentaria a oposição da Alemanha, sempre ela, e possivelmente de um país como a Finlândia.
Dado o impasse, a melhor solução seria a separação do euro em duas moedas, acredita Zingales. Uma para as economias mais fortes, e outra para os mais fracos. Desse modo, o ajuste para ganhar competitividade poderia ser feito pelo menos em parte por meio da desvalorização do câmbio. Com o euro, essa alternativa foi riscada do mapa para os membros da união monetária.
Ao comentar a possibilidade de reestruturação da dívida de um país como a Grécia, Zingales diz que o melhor momento para isso já passou. No caso da Grécia, o ideal teria sido fazê-lo no ano passado, quando o país havia mentido sobre as suas estatísticas e a grande maioria dos títulos gregos estava nas mãos do mercado. Hoje, grande parte do custo dessa reestruturação cairia sobre os Estados europeus e sobre o Banco Central Europeu, que detém muitos títulos gregos.
O economista também falou sobre as perspectivas para a economia americana. O seu temor é de que os EUA enfrentem um longo período de baixo crescimento. O risco de que o país viva uma estagnação de vários anos, como a que o Japão experimentou nos anos 90, é maior do que uma de nova recessão, diz Zingales. "Quando há muita dívida acumulada e o setor financeiro não está muito sólido, a tendência é ter um período de baixo crescimento. Historicamente, isso é o que costuma ocorrer."
Para Zingales, a dificuldade de os EUA consolidarem a recuperação se deve em parte ao fato de que, desta vez, não é possível contar com o setor imobiliário para puxar a economia.
Na saída de outras recessões, era esse segmento que comandava a recuperação, reagindo à redução de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). "Há uma grande excesso de capacidade ociosa no setor", diz ele.
Zingales é co-autor do livro "Salvando o capitalismo dos capitalistas", escrito em parceria com Raghuram Rajam, professor da Universidade de Chicago e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Na FGV, falou sobre uma nova regulação de capital, com uma proposta para evitar os problemas causado pelas instituições grandes demais para falir. Pela manhã, no Instituto Millenium, falou sobre as perspectivas do capitalismo depois da crise.