Título: Sistema de câmbio flutuante, por si só, não faz milagres
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/05/2011, Opinião, p. A10

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou sem rodeios, na semana passada, que considera o sistema de câmbio flutuante ineficaz para lidar com a situação de grande atratividade da economia brasileira e extraordinária disponibilidade de recursos financeiros nos mercados mundiais. O ministro parece superestimar a capacidade do governo para minimizar, com intervenções no câmbio, os efeitos negativos dos intensos fluxos de capital estrangeiro na economia brasileira.

Mais que comemorar o relativo êxito no controle sobre a entrada de investimentos no Brasil, o ministério deveria se concentrar em medidas que permitam aumentar a competitividade do país para conviver com uma moeda mais valorizada, que parece ter vindo para ficar.

Mantega aponta como resultado positivo da ação governamental o aumento na entrada de investimentos estrangeiros diretos, que, segundo previu, devem chegar a US$ 65 bilhões neste ano, bem acima dos US$ 50 bilhões que vinham sendo projetados por analistas privados. Os resultados das contas externas divulgados pelo Banco Central, na semana passada, endossam o otimismo: desde o início do ano até a última quarta-feira, o total do dinheiro estrangeiro destinado a investimentos na atividade produtiva no país chegou a US$ 34,4 bilhões, quase o montante de 2010, de US$ 36,9 bilhões.

Nesse período, os investimentos em bolsas de valores e em títulos públicos e privados caiu mais de 19%. A adoção de imposto sobre dívidas contraídas no exterior com prazos inferiores a dois anos também levou as empresas instaladas no país a ampliarem os prazos de suas dívidas captadas no exterior.

É visível a busca de créditos de prazos mais longos: no primeiro trimestre, a entrada líquida de recursos referentes às dívidas de curto prazo somou US$ 15,8 bilhões, mas, em abril e maio, houve o movimento inverso, de US$ 6,8 bilhões em saídas líquidas de recursos para pagamento desse tipo de débito.

Analistas do próprio governo suspeitam que parte do investimento direto que vem ao Brasil foi a maneira encontrada por grandes empresas para contornar as restrições de entrada de capital de curto prazo. A gangorra entre investimentos em portfólio (ações, títulos), que caíram subitamente, e investimentos diretos, que se elevaram, parece sustentar essa desconfiança.

O chefe do departamento Econômico do BC, Túlio Maciel, diz que não há, até agora, evidência nas estatísticas que justifiquem preocupações dessa natureza, e outros dirigentes do banco afirmam que a troca, por trazer maior qualidade no capital que entra, é positiva.

O fato é que, de curto ou longo prazo, por razões conjunturais ou estruturais, o fluxo de capitais tem vindo em grande quantidade e as mudanças no regime de câmbio flutuante são limitadas e causadoras de distorção. Não se pode contar com elas para assegurar a navegabilidade da economia brasileira sobre as possíveis tormentas do sistema financeiro internacional. Uma lembrança disso foi a cotação alcançada pelo dólar na última sexta-feira, quando só uma forte atuação do BC fez a moeda americana em queda respeitar o patamar de R$ 1,60.

Mantega teve o cuidado de ressalvar que a intenção do governo, com suas intervenções no mercado, é apenas garantir uma transição suave e proteção ao parque produtivo nacional para tempos melhores que virão. O perigo de suas declarações contra a flutuação do câmbio é se transformarem na crença de que a intervenção governamental é uma panaceia e garantia de proteção à indústria. Não é.

A indústria terá de conviver com o real valorizado por muito tempo, provavelmente mesmo após a recuperação das economias dos países desenvolvidos e a elevação dos juros nos mercados maduros. Fará bem o ministro se se dedicar intensamente às discussões no governo para as novas medidas de redução do custo de produção no país, fazendo as disputas internas penderem para o lado dos que defendem maiores cortes de imposto e racionalização com cortes de gastos.

Fazendo assim, estará facilitando a queda dos juros que pesam sobre a produção e machucam o setor produtivo quase tanto quanto o câmbio. Uma atenção para o desempenho dos investimentos em infraestrutura também não será motivo de arrependimento para o ministro da Fazenda. São medidas de resultados mais garantidos do que as tentativas de definir a cotação da moeda.