Título: Sob ataque, magnata mantém a calma
Autor: Rathbone, John Paul ; Thomson, Adam
Fonte: Valor Econômico, 14/06/2011, Empresas/Tecnologia & Comunicações, p. B2

Financial Times Carlos Slim está sendo atacado. Por décadas, o homem mais rico do mundo construiu um império empresarial no México, seu país de origem, e sofreu pouca resistência por parte da concorrência. Atualmente, o governo e as empresas concorrentes estão determinadas a enfraquecer seu domínio quase monopolístico do setor de telecomunicações do país, que ajudou Slim a acumular uma fortuna pessoal estimada em mais de US$ 80 bilhões.

Nos últimos três meses, a Telcel, sua operadora mexicana de telefonia celular, levou uma multa de US$ 1 bilhão por "práticas monopolísticas"; o governo frustrou suas tentativas de ingressar no mercado de TV paga; e os concorrentes estão loteando sua atividade principal.

Mas, apesar da pressão das autoridades reguladoras e dos concorrentes, esse senhor de 71 anos parecia notavelmente calmo quando nos encontramos, em seu gabinete na matriz da Inbursa, seu banco mexicano. A sala é crivada de quadros com cenas bucólicas, a janela dá para uma paisagem urbana insípida, enquanto uma prateleira de livros que ocupa toda uma parede está atulhada de clássicos espanhóis, biografias de grandes financistas, como Bernard Baruch, e uma série de volumes, cheios de "orelhas", de estatísticas de beisebol, uma de suas paixões.

Mas, no momento em que outros estão tentando diminuir sua vasta fortuna, Slim avalia como aplicá-la melhor quando ele se for. "Leia isto", diz ele, tirando um bem-manuseado exemplar de "O Profeta", de Kahlil Gibran, o clássico da espiritualidade estudantil. Ele aponta para um trecho na página 487: "Vós pouco dais quando dais de vossas posses." Slim, com os cabelos cuidadosamente penteados e trajando uma camisa de algodão creme sem gravata, com botões nos punhos, estava, até recentemente, ocupado demais em ganhar dinheiro para preocupar-se com a maneira pela qual iria distribuí-lo. Sua empresa de telecomunicações América Móvil cobre 19 países e tem mais de 276 milhões de clientes. Juntamente com empresas nos setores de mineração, imobiliário, de tabaco, de serviços aéreos, do setor bancário e outras que ele controla, as companhias de Slim respondem por 40% da bolsa do México.

"Quando eu me for, estarei nu. O que faço então?", pergunta ele, retoricamente. "Dou as empresas aos meus filhos? Isso é uma responsabilidade. Deixo para eles 90% ou 98% de minha fortuna? Absurdo. Se eu quiser vender, quem as comprará - uma companhia estrangeira? Então, dou tudo isso para o México?"

Famoso por ler uma demonstração de resultados como ninguém, Slim faz um rápido cálculo mental. "Depois dos impostos, o que seriam US$ 300 para cada mexicano? É mera esmola."

Esses devaneios de um multibilionário teriam repercussão em todo lugar. Mas eles são especialmente delicados num país em que quase 50% da população de 112 milhões de habitantes vive na pobreza. Muitos deles veem Slim como responsável, em parte, por esse fosso que separa os ricos dos pobres.

Os críticos dizem que sua posição hegemônica na área de telecomunicações mantém os preços elevados e asfixia a concorrência. Juntamente com outros oligarcas mexicanos, dizem ainda, Slim tolheu o desenvolvimento, fazendo com que o México perdesse terreno em favor de outras economias emergentes, como o Brasil.

Apesar dessas acusações e da ofensiva do governo, Slim não é uma figura odiada. Um dos maiores empregadores do país, uma recente pesquisa detectou que os mexicanos o veem como "o grande líder de que o México precisa". E, em livro recente, o intelectual e ex-ministro das Relações Exteriores, Jorge Castañeda, descreve Slim como "um magnata mexicano pouco comum (...). Ele é generoso com seu tempo, nem sempre com seu dinheiro, mas desarma como um magnata acessível, discreto e de bom coração".

Em vez de esmola, Slim acredita que a solução para os problemas do México, e para seu próprio dilema, é mais investimento, principalmente entre as pequenas empresas, na medida em que são elas as responsáveis pela maior parte da geração de postos de trabalho. Trata-se de uma afirmação aparentemente contraditória, em vista das críticas de que seu próprio domínio de mercado esmaga as participantes de menor porte. "O ser humano é contraditório", minimiza ele.

Apesar dessa ambivalência em relação à filantropia, ele abriu duas entidades assistenciais, a Fundación Telmex e a Fundación Carlos Slim. Com um foco geral no desenvolvimento infantil e na pré-escola e primeiros anos do ensino básico, elas oferecem o investimento complementar em capital humano que Slim vê como essencial num mundo cada vez mais dominado por setores de serviços sofisticados.

"Muita gente ganha dinheiro com a pobreza - estudos, conferências, ONGs -, é um ramo de negócios enorme", observa Slim. "A resposta para isso são emprego, emprego e mais emprego. O trabalho é a única forma de dignificar o beneficiário. Ele atende a uma necessidade emocional. E estimula o desenvolvimento."

Slim interrompe a conversa e se dirige a um pequeno banheiro no canto de seu escritório. Não se dá ao trabalho de fechar a porta. Arturo, seu genro, que estava sentado tranquilo, fumando, sorri, zombeteiro.

Apesar de sua fortuna, o homem mais rico do mundo é surpreendentemente pragmático. Conhecido por seus gostos simples, ele apenas recentemente comprou seu primeiro imóvel fora do México - uma casa geminada em Nova York, no Upper East Side.

No mais, ele mora na mesma casa na Cidade do México, para a qual ele se mudou 40 anos atrás. Ele nunca voltou a se casar depois que sua esposa morreu, em 1999, de falência renal, e sempre janta com seus seis filhos aos domingos.

Ele até mesmo dirige seu próprio carro. Isso poderia parecer excêntrico, ou absolutamente temerário, num país cada vez mais associado à criminalidade e aos sequestros ligados às drogas. Mas essa parcimônia está em manter o enfoque semelhante ao de Warren Buffett para avaliar o que é um negócio vantajoso nos investimentos.

Um dos melhores negócios de Slim ocorreu depois de ele ter feito uma grande quantidade de aquisições no setor de telecomunicações do Brasil no momento em que o mercado do país entrou em colapso, em 2002.

A boa escolha do momento é uma característica da família Slim. Seu pai, um imigrante que fugiu da violência no Líbano, foi bem-sucedido ao fundar uma loja generalista durante a Revolução Mexicana e depois ao vender a empresa pouco antes da Crise de 1929.

Slim também é um dos maiores colecionadores mundiais de obras de Rodin, e no início deste ano incluiu algumas peças do escultor impressionista francês num museu com entrada gratuita que inaugurou na Cidade do México para abrigar parte de sua coleção de obras de arte. Nos círculos de artes plásticas mexicanos, diz-se, talvez de forma apócrifa, que ele calculou o custo médio por quilo das obras de Rodin.

Slim certamente sabe muita coisa. De fato, ele se mostrou um concorrente tão conhecedor no exterior quanto é monopolista em casa. "Os conquistadores extraíam impostos; agora eles extraem dividendos", gosta de dizer.

Ao som típico da descarga, Slim volta à sala. Quando torna a se sentar, parece tão tranquilo que nunca se diria que algumas pessoas se perguntam se sua sorte está virando. No dia da entrevista, os órgãos reguladores lhe impuseram outra multa de US$ 90 milhões.

Carlos Slim não se perturba. "Não me sinto perseguido", diz. "Eu nunca me senti perseguido quando criança, e também não me sinto agora."

Em vez disso, tomando chá no mesmo jogo de louça chinês usado em sua loja de departamento e cafeteria Sanbom, voltada para uma clientela de classe média, Slim mantém a tranquilidade. Mesmo a guerra das drogas que agita o país, responsável por 40 mil mortes em quase cinco anos, não mudou sua rotina diária. "Minha vida é exatamente a mesma que era cinco ou dez anos atrás", diz