Título: Oficializada anulação de provas na Castelo de Areia, começa prazo para recurso
Autor: Prestes, Cristine
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2011, Política, p. A8

De São Paulo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou ontem no Diário Oficial de Justiça o texto integral da decisão que determinou a anulação de praticamente todas as provas obtidas durante a Operação Castelo de Areia. Com isso, abre-se o prazo para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresente recurso junto ao próprio tribunal ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

De acordo com a assessoria de imprensa da PGR, ainda não há uma decisão sobre um possível recurso contra a decisão do STJ, já que o processo ainda não chegou ao órgão. Isso deve ocorrer hoje, quando a subprocuradora-geral da República Maria das Mercês de Castro Gordilho Aras, responsável pelo processo na procuradoria, avaliará o caso.

Deflagrada pela Polícia Federal em 25 de março de 2009, a Operação Castelo de Areia teve como alvo a investigação de supostos crimes cometidos pelo comando da construtora Camargo Corrêa - entre eles lavagem de dinheiro, evasão de divisas, corrupção e financiamento ilegal de campanhas eleitorais. Da operação resultaram processos e inquéritos criminais abertos na Justiça Federal contra três diretores da empresa - Pietro Francesco Giavina Bianchi, Dárcio Brunato e Fernando Dias Gomes. Eles respondem a duas ações penais por crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro e são acusados de terem realizado operações de câmbio ilegal e enviado recursos ao exterior ilegalmente, o que configura crime de evasão de divisas. Em uma das ações, os três executivos são réus junto com outras nove pessoas - a maioria doleiro. Em uma terceira ação, aberta pela Justiça Federal na Bahia, dois diretores da empresa e outros dois da construtora Andrade Gutierrez respondem por crimes de formação de cartel, formação de quadrilha e fraude na licitação para o metrô de Salvador.

Tanto os processos quanto os inquéritos decorrentes da Operação Castelo de Areia estão suspensos desde janeiro do ano passado, quando o presidente do STJ, ministro César Asfor Rocha, concedeu uma liminar pedida pela defesa da Camargo Corrêa durante o recesso forense. Desde então, nenhum deles voltou a tramitar na Justiça, já que a liminar foi confirmada pela relatora do caso na sexta turma do tribunal, ministra Maria Thereza de Assis Moura.

A suspensão das ações penais e dos inquéritos abertos contra os diretores da Camargo Corrêa foi mantida com o julgamento do mérito do habeas corpus pedido por eles, no início de abril. Durante o julgamento, a ministra relatora votou pela anulação de todas as provas obtidas pela Polícia Federal durante as investigações da Castelo de Areia, com o argumento de que o procedimento investigatório partiu de uma denúncia anônima feita aos policiais federais que, por si só, não poderia motivar medidas como quebras de sigilo.

As investigações que culminaram na Castelo de Areia foram iniciadas a partir de uma série de outras operações da PF que tiveram como escopo o combate ao câmbio ilegal no país - entre elas as operações Suíça e Kaspar I e II, que ocorreram entre 2006 e 2007. A partir dessas operações, vários doleiros foram presos e alguns deles fizeram acordos de delação premiada - em que se comprometem a detalhar sua atuação e a contar o que sabem sobre a atuação de outros doleiros e empresas usuárias de serviços de câmbio ilegal, em troca de possíveis reduções de pena.

Durante as investigações surgiu o nome do suposto doleiro Kurt Paul Pickel, que foi apontado pela PF como prestador de serviços de câmbio ilegal à Camargo Corrêa. Com autorização da 6ª Vara Criminal em São Paulo, a PF iniciou o monitoramento dos dados telefônicos de Pickel e, dois meses depois, obteve autorização para quebrar o sigilo telefônico do suposto doleiro - e, mais tarde, a busca e apreensão na empresa. De acordo com informações constantes no acórdão do STJ, Pickel mantinha contato com o diretor financeiro da Camargo Corrêa. As interceptações telefônicas teriam apontado cerca de 300 ações ilícitas cometidas pelo doleiro e pelos diretores da empresa e diversas tentativas de evitar que as operações fossem identificadas em investigações - como o uso de criptografia, códigos com nomes de animais, uso de Skype e Voip e transferências financeiras de valores baixos para evitar que chamasse a atenção de órgãos fiscalizadores como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A discussão sobre a validade da Castelo de Areia surgiu porque à denúncia anônima somou-se uma delação premiada - que, pela sua natureza, é mantida em sigilo. Assim, a defesa dos executivos da Camargo Corrêa argumentou, perante o STJ, que foi apenas a denúncia anônima que motivando medidas graves como escutas telefônicas - o que contraria a jurisprudência do STJ. A delação veio à tona apenas quando a sexta turma do STJ julgou a liminar pedida pela defesa dos diretores da empresa.

Desde a primeira liminar concedida pelo STJ todos os procedimentos investigatórios foram paralisados. Agora, com a publicação do acórdão do STJ com a decisão de mérito, cabe à Procuradoria-Geral da República tentar salvar as investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal em São Paulo no próprio tribunal superior ou no Supremo. O único voto divergente no STJ, do ministro Og Fernandes, no entanto, pode representar uma esperança para os policiais e procuradores federais. O ministro cita diversos precedentes do próprio Supremo que indicam que tanto um recurso contra a decisão do STJ pode ser aceito pelos ministros da Suprema Corte quanto pode vir a ter sucesso - ou seja, permitir a retomada do andamento das ações e inquéritos suspensos. O ministro afirma, em seu voto, que ficou claro que a Castelo de Areia não surgiu apenas a partir de uma denúncia anônima e que há diversos precedentes do Supremo no sentido de manter investigações e processos em curso quando há outros indícios de crimes que não apenas denúncias anônimas.