Título: Indenização de R$ 5 mi por escravidão
Autor: Leite, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 19/08/2010, Brasil, p. 13

TST confirma que construtora de Alagoas terá que pagar pela exploração de 180 pessoas em duas fazendas no sul do Pará

O maior processo por trabalho escravo no Brasil resultou ontem na condenação ao pagamento de R$ 5 milhões pela utilização de trabalho forçado de cerca de 180 trabalhadores entre eles nove adolescentes e uma criança. A Construtora Lima Araújo Ltda., sediada em Alagoas, foi condenada à indenização por dano moral coletivo pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). O crime ocorreu nas fazendas Estrela de Alagoas e Estrela de Maceió, de propriedade da construtora.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA) definiu o valor da multa em resposta a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho que inicialmente havia pedido uma indenização de R$ 85 milhões. A construtora acionou o TST para a revisão do valor, mas ele foi mantido por unanimidade pela 1ª Turma. Por meio de nota, a construtora definiu a ação como absurda, e informou que irá recorrer à decisão devido à improcedência da acusação. Na verdade, nossa defesa está substanciada com farta documentação, que não deixa dúvidas que em momento algum praticamos trabalho escravo. Na verdade por trás desta cortina de acusação existem outros interesses, afirmou a empresa.

Esta, porém, não é a realidade observada pelas políticas de combate ao trabalho escravo(1). De acordo com o TST, as fazendas, localizadas em Piçarra, no sul do Pará, foram alvo de cinco fiscalizações de equipes do grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 1998 e 2002, que geraram 55 autos de infração. Ao confirmar a condenação, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, relator do processo no TST, ainda destacou que as empresas reclamadas também foram fiscalizadas pela Delegacia Regional do Trabalho e que, em todas elas, foram constatada a existência de trabalhadores em condições análogas à de escravo. A punição estabelecida pelo tribunal tem sentido pedagógico. Em pleno século 21, não se pode conceber esse tipo de tratamento ao ser humano. E de acordo com nossa documentação, era indiscutível a caracterização do trabalho forçado, afirmou ao Correio o ministro Vieira de Mello Filho.

De acordo com o processo, as infrações cometidas pela construtora incluem: não fornecer água potável; manter empregados em condições sub-humanas e precárias de alojamento, em barracos de lona e sem instalações sanitárias; não fornecimento de materiais de primeiros socorros; manter empregado com idade inferior a 14 anos; existência de trabalhadores doentes sem assistência médica; limitação da liberdade para dispor de salários; ausência de normas básicas de segurança e higiene; não efetuar o pagamento dos salários até o quinto dia útil do mês; deixar de conceder o descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas; e venda de equipamentos de proteção individual.

A Construtora Lima Araújo já foi alvo de outras duas ações coletivas, que resultaram no pagamento de indenização moral coletiva de R$ 30 mil. Já o ministro do TST Lelio Bentes Corrêa enfatizou a importância do julgamento de ontem: Fica a expectativa de que essa situação sirva de exemplo a outras pessoas, no sentido de que a Justiça do Trabalho não vai tolerar esse tipo de situação. Estamos em um país desenvolvido economicamente, com condições tecnológicas que poucos países do mundo possuem. Precisamos aprimorar nossas relações sociais, disse.

1 - Servidão O Tribunal Superior do Trabalho estima que 40 mil pessoas estão submetidas ao trabalho escravo no Brasil. Já a Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego informa que, de 1995 a 11 de maio deste ano, 37.205 trabalhadores foram resgatados de situações de trabalho forçado, servidão por dívida, jornada exaustiva e/ou trabalho degradante.

O que diz a lei

O artigo 149 do Código Penal determina uma pena de reclusão, de dois a oito anos, além de multa e pena correspondente à violência, o ato de reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. A penalidade ainda é atribuída a quem: cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador e mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, ambos com o fim de retê-lo no local de trabalho. A pena ainda deve ser aumentada se o crime foi cometido contra criança ou adolescente, ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

O Brasil também é signatário da Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, que define sob o caráter de lei internacional o trabalho forçado como todo serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente. A convenção proíbe o trabalho forçado em geral, incluindo, mas não se limitando à escravidão. De acordo com a organização, o trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da liberdade.