Título: Velocidade crescente
Autor: Torres , Carmen Lígia
Fonte: Valor Econômico, 31/05/2011, Especial Rodovias, p. F1

Para o Valor, de São Paulo As causas da doença crônica das rodovias brasileiras estão em tratamento. Hoje, crateras e fendas sinalizam mais situações originadas da erosão causada pelas chuvas, por exemplo, do que o descaso que por décadas atingiu as estradas. As imagens de máquinas trabalhando reforçam a percepção de que, efetivamente, está em curso uma mudança nas condições da infraestrutura rodoviária.

Se muito foi feito em comparação às condições existentes há poucos anos, ainda é preciso avançar muito para a rede de estradas alcançar um nível de qualidade compatível com seu papel estratégico na logística. Além de serem responsáveis por mais de 60% do transporte de cargas, as rodovias são fundamentais para viabilizar a conexão com outros modais.

Os números levantados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no estudo "Rodovias brasileiras: gargalos, investimentos, concessões e preocupações com o futuro" comprovam a atenção dada às estradas. Entre 1999 e 2008, os investimentos anuais, públicos e privados, saíram de R$ 1,1 bilhão para R$ 26,6 bilhões. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), a participação passou de aproximadamente 0,3% para cerca de 0,9%.

É preciso muito mais. Os valores contabilizados pela Ipea mostram que, em nove anos, as rodovias brasileiras receberam R$ 82,2 bilhões, cerca de 45% do valor requerido para otimizar o modal. Dos R$ 183, 5 bilhões estimados pelo Ipea como necessários, R$ 144,18 bilhões deveriam ser direcionados para a recuperação, adequação e duplicação, R$ 38,49 bilhões para construção e pavimentação, e R$ 830 milhões para obras de arte - a exemplo de pontes e viadutos.

Outras entidades indicam valores diferentes para atualizar a infraestrutura rodoviária. A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) estima o total em R$ 190 bilhões, a Associação das Indústrias de Base (Abdib) registra a necessidade de R$ 12,6 bilhões por ano, por uma década, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) trabalha com R$ 240 bilhões, estimados a partir das projeções do Programa Nacional de Transporte e Logística (PNLT), criado em 2006 pelo governo federal.

"Teremos R$ 5,2 bilhões por ano, previstos no orçamento, apenas para manutenção e recuperação das estradas", garante Hideraldo Luiz Caron, diretor de Infraestrutura Terrestre do DNIT. Não houve contingenciamento para as obras. "Isso indica que as rodovias continuam sendo prioridade", analisa. Até 2014, a área deve ser contemplada com quase R$ 21 bilhões. Apesar de bem longe dos R$ 240 bilhões baseados nas necessidades do PNLT, o valor é significativo e dá para aprofundar as reformas estruturais das rodovias federais, que somam 56 mil quilômetros, e investir em novos trechos, como os das regiões Centro-Oeste e Norte, as novas fronteiras agrícolas.

Flávio Benatti, presidente da seção de transporte de cargas da CNT e presidente da Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado de São Paulo (Fetcesp) reconhece a evolução da qualidade da rede rodoviária, citando pesquisas da CNT. De 2005 para 2010, o percentual de estradas ruins/péssimas passou de 40,2% para 25,4%. As ótimas/boas saíram de 28% para 41,5%, e as em estado regular foram de 31,8% para 45%. "Mas também é preciso adequar a infraestrutura de transporte em todos os modais, pois o desequilíbrio gera desperdício de recursos e prejuízos para a atividade transportadora", afirma Benatti.

A partir de 1995, o governo entregou à iniciativa privada a concessão da operação e manutenção de rodovias, decisão que gerou questionamentos. Para o Ipea, porém, o modelo utilizado à época foi o melhor encontrado, diante da urgência de recuperar as estradas. Mas é hora de repensar o modelo de concessão, para adequá-lo às necessidades atuais.

O Brasil tem 9% de suas rodovias pavimentadas operadas e mantidas pela iniciativa privada. São apenas 14,8 mil quilômetros do total de 170 mil. O trabalho realizado pelas concessionárias não é contestado - as pesquisas apontam que as estradas em melhores condições são, na maior parte, pedagiadas. Mas são questionados o foco do modelo no trabalho de manutenção e a forma de determinar o valor dos pedágios.

Carlos Álvares da Silva Campos Neto, coordenador de infraestrutura econômica do Ipea, defende alterações no modelo: "A experiência brasileira difere da internacional por ser um programa de transferência de ativos, e não um criador de ativos". No Brasil, diz, os contratos muito longos e a falta do cruzamento de variáveis, como o fluxo de veículos com a adequação da estrutura viária, prejudicam o sistema e os usuários.

Outra frente de ações aberta pelo governo para equacionar os problemas nas estradas, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é vista também com reservas. O Ipea, por exemplo, considera que as obras não se alinham às necessidades. Também há reclamações sobre a morosidade na liberação dos recursos. "Alguns investimentos não chegaram onde deveriam", explica Neuto Gonçalves dos Reis, chefe do Departamento Técnico e Operacional da NTC & Logística. "Não há falta de recursos e, sim, de capacidade de gastá-los", afirma.