Título: O PMDB é criticado por ser um partido unido
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 16/06/2011, Política, p. A11

De Brasília

Em meio à crise política que resultou no afastamento do chefe da Casa Civil do governo, o vice-presidencialismo chegou a ser apontado como o novo polo de poder no país. Petistas no Congresso e analistas como Renato Lessa, da Universidade Federal Fluminense, e Marcos Nobre, da Unicamp, alertaram para o riscos de os poderes avantajados do PMDB jogarem por terra o projeto de governo da presidente Dilma Rousseff. Mas para Michel Temer o que existe é apenas uma tentativa de "intrigar" o vice-presidente e o PMDB com a presidente Dilma Rousseff.Na tarde de terça-feira o vice-presidente da República recebeu o Valor e falou abertamente sobre as suspeitas levantadas em relação a ele e seu partido. Temer identifica, entre aliados, uma tentativa de imprimir no PMDB a pecha de partido "vocacionado para o mal", quando a sigla em geral - faz questão de ressaltar - esteve sempre do lado "do bem", em benefício do país. Cita como exemplo a aprovação do partido ao Plano Real, no governo Itamar Franco, e seu papel decisivo no próprio processo de redemocratização do país.

Temer acha natural o trânsito que tem entre os congressistas. "O que eu não posso é botar uma placa com os dizeres "deputados não entrem" ou "senadores, não entrem" afixada na entrada da Vice-Presidência.

A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:

Valor: O senhor foi três vezes presidente da Câmara, é presidente licenciado do PMDB, o maior partido aliado, portanto, um vice forte, e nesse sentido diferenciado daqueles que tivemos depois da redemocratização. Por isso em geral colocam o senhor como chefe de uma certa "República do Jaburu" com a intenção de tutelar a presidente. Como o senhor vê essa crítica?

Michel Temer: Não sou nem mais nem menos que os outros vice-presidente a que você aludiu. Tanto eles como eu exercemos a missão constitucional do vice-presidente da República. É o artigo 79 da Constituição Federal. Eu confesso que me surpreendo, às vezes, com essa história de dizerem que eu sou um vice forte e poderoso porque eu tenho consciência do meu lugar. Eu sei qual é dimensão do lugar que ocupo. Eu não sou de avançar o sinal, não sou espaçoso.

Valor: O PMDB reclama que o senhor não é ouvido pela presidente.

"Aqui me procuram todos os partidos, inclusive o PT, e não me nego a dialogar porque ao fazê-lo ajudo o governo"

Temer: A presidenta tem sido funcionalmente gentilíssima comigo, porque tem me atribuído tarefas que eu considero importantes. Eu coordenei um grupo, de vários ministros, para editar uma medida provisória ou projeto de lei que no futuro facilitasse a ação contra as enchentes. Isso já está na Casa Civil, neste momento, e a Casa Civil vai decidir se fará por medida provisória ou projeto de lei. Mais recentemente, ela me designou como coordenador da questão das fronteiras, que é um trabalho muito bem realizado pelos ministros José Eduardo Cardozo [Justiça] e Nelson Jobim [Defesa]. Estou dando dois exemplos de tarefas importantes que ela me deu. E o nosso trabalho é em perfeita harmonia, em perfeita sintonia. Eu verifico, de fato, que há uma certa tentativa de intriga, mas nós somos imunes a essas intrigas. Nós conversamos tantas vezes, dialogamos tantas vezes que não há a menor possibilidade de intrigar seja a mim com a presidenta, seja o PMDB com a presidenta. Nós temos uma harmonia absoluta, até porque, reitero, eu conheço o meu lugar e fico no meu lugar.

Valor: O senhor chamaria de intriga o telefonema do ex-ministro Antonio Palocci ameaçando tirar os ministros do PMDB, se o partido votasse contra o governo, no projeto do Código Florestal?

Temer: Foi uma infelicidade. Foi um momento em que todos estavam muito emocionados, você sabe que eu não me emociono nessas questões institucionais, mas todos, Executivo, Congresso, estavam muito emocionados e foi um momento simplesmente infeliz, nada mais do que isso. Não havia nada de intriga nessa questão, ao contrário até, o ministro sempre dedicou a mim muita atenção, e eu sempre fui - creio eu - gentilíssimo com ele. Tanto que, nos momentos mais difíceis, nesses últimos momentos, eu fui dos primeiros que sustentaram a lisura do seu procedimento.

Valor: Como o senhor gerencia essa dupla condição de presidente do PMDB e vice-presidente da República?

Temer: Não há impedimento legal. Mas eu resolvi desde logo me licenciar. Eu não sou o presidente do PMDB em exercício, é o prezado colega senador Valdir Raupp (RO). Eu estou afastado exatamente para evitar qualquer alegação de incompatibilidade.

Valor: Certo, mas o senhor tem conversado, articulado, enfim, exercido um papel político.

Temer: Claro. Não posso negar que o fato de ter passado 24 anos no Poder Legislativo, três vezes presidente da Câmara, eu tenho muitos contatos. Mas os contatos não são apenas do PMDB. Aqui na Vice-Presidência me procuram membros de todos os partidos, inclusive do PT, e eu não posso me negar a possibilidade desse diálogo porque, ao dialogar, o que eu mais faço é auxiliar o governo. Quando há uma ou outra insatisfação, eu, digamos assim, faço com que essas insatisfações desapareçam.

Valor: O senhor ocupou um vazio que havia na coordenação política?

Temer: Eu acho que hoje, digamos, há um novo rumo. Porque À medida que a presidenta determinou que a senadora Gleisi [Hoffmann, ministra da Casa Civil] assuma a articulação administrativa, portanto, de gestão do governo, e, por outro lado, que a ex-senadora Ideli [Salvatti, ministra das Relações Institucionais] assuma a articulação política, eu acho que há uma divisão adequada de tarefas. No passado, creio que uma das dificuldades foi um certo acúmulo em torno do ministro Palocci da articulação política e da gestão. Isso não foi útil. E sobre ter feito essa divisão de tarefas, a presidenta também assumiu, a meu modo de ver, a articulação política geral, que cabe a presidente fazer. Ela tem feito contato com as bancadas. E nesse sentido o PMDB colabora muito. O PMDB e eu próprio.

Valor: Dê um exemplo.

Temer: Quando se marcou o almoço da presidenta com a bancada do PMDB do Senado, eu recebi primeiro um grupo de oito colegas senadores para um café da manhã, depois recebemos para um jantar coletivo - tudo isso no Jaburu [Palácio do Jaburu, residência oficial do vice-presidente da República]. Um jantar coletivo de todos os senadores e ajustamos que no almoço ninguém levantaria temas polêmicos, seria um almoço de troca de ideias. E assim se deu. Isso apenas para revelar a colaboração que o PMDB e particularmente o vice-presidente prestam ao governo.

"Há uma divisão adequada de tarefas; houve um certo acúmulo em torno do Palocci e isso gerou dificuldades"

Valor: Mas as queixas existem. Não só na questão dos cargos, há pemedebistas que reclamam da exclusão do partido na formulação das políticas de governo. O PMDB quer influir mais?

Temer: Você sabe que nos últimos tempo eu tenho sido chamado muitas vezes para colaborar. A presidenta, aliás, desde o começo assim procedeu, mas nos últimos tempos mais acentuadamente, ou seja, chamando o PMDB, por meu intermédio, naturalmente, a participar dessas decisões da política governamental. Quando consultado, mais uma vez reitero que sei sempre qual é o meu lugar, eu tenho dado opiniões, e opiniões que muitas vezes são aproveitadas. O PMDB não tem esse tipo de reclamação.

Valor: Então o que há?

Temer: O que há, eu quero aqui registrar, é sempre uma coisa assim do PMDB poderoso, mas o PMDB poderoso para exigir cargos. O PMDB não quer ser poderoso para exigir cargos. O PMDB, se é poderoso, é para ajudar a governar. O que mais o vice-presidente e o PMDB desejam é que esse governo dê certo, porque afinal o PMDB está no governo. E se nós pudermos manter esta equação em 2014, nós manteremos essa equação. Há um equívoco quando se diz que o PMDB quer poder para assim entre aspas "praticar o mal". O PMDB quer poder para praticar o bem.

Valor: O PMDB está menor no governo Dilma do que era no governo Lula. O senhor acha que o partido tem a participação adequada?

Temer: Eu acho razoável. Este é um assunto superado, especialmente no momento em que o próprio PMDB percebe que o vice-presidente está sendo convocado, está sendo chamado. O que eu quero registrar muito fortemente é que o PMDB tornou-se um partido congressual muito forte, não é verdade?, tendo também governadores e tudo isso. O que ele não teve é candidato a presidente da República nessas últimas eleições. Por circunstâncias até legais, especialmente naquele momento em que surgiu a verticalização, os nossos candidatos a governador não queriam um candidato a presidente porque impediria alianças locais. Mas o PMDB sempre foi - vou usar uma expressão trivial e corrente - fiador da governabilidade. Convenhamos, o Plano Real não existiria se o PMDB não tivesse dado apoio ao governo naquela época (1994, quando o presidente era Itamar Franco e o ministro da Fazenda um tucano, Fernando Henrique Cardoso). Apoio congressual. Se eu me reportar mais lá atrás, e eu não quero ser apenas saudosista, a democracia não existiria se não fosse o PMDB. O grande programa social do presidente Lula, o Bolsa Família não existiria se não houvesse o apoio congressual. O PMDB sempre foi o fiador da governabilidade. Então o PMDB sempre teve uma atuação voltada para o bem e não para o mal.

Valor: Mas a participação mais reduzida não incomoda?

Temer: Neste momento em que ele fez uma parceria não apenas governamental mas também eleitoral, o que acontece? PT, PMDB e os demais partidos aliados fizeram campanha eleitoral, o PMDB presente na chapa. E nós chegamos ao governo. E quando nós chegamos ao governo, mais do que naturalmente, a presidenta ofereceu cargos ao PMDB, o PMDB naturalmente fez postulações, que foram atendidas, as possíveis, as impossíveis não foram atendidas, mas o PMDB não pode ter essa mácula que querem lhe impingir de ser um partido vocacionado para o mal, porque os exemplos, desde a sua origem, são exemplos vocacionados e voltados para o benefício do país. O PMDB não é um partido de três, quatro pessoas. O PMDB é um partido de quase 8.000 vereadores, 1.100 prefeitos, 80 deputados federais, 20 senadores, vários e muitíssimos deputados estaduais, é um partido de muitos, mas é um partido que não tem chefes, não tem coronéis, não tem caciques...

Valor: Não tem?

Temer: Ou não tem cacique, pelo menos, de natureza nacional. Antes se criticava o PMDB porque ele era dividido, hoje critica-se porque ele é unido. Nós conseguimos uma unidade tão forte do PMDB que a crítica que se faz é que é um partido unido.

Valor: Não é uma unidade para aprisionar e tornar refém o governo?

Temer: Absolutamente. Refém é um vocábulo delituoso. Ele é parceiro do governo. No sentido de par. Tem Presidência e Vice-Presidência. E como parceiro, tem que trabalhar pelo sucesso do governo.

Valor: O senhor fala em manter a atual equação eleitoral. O PMDB não pensa em ter candidato próprio a presidente em 2014?

Temer: Esse é o anseio de qualquer partido político, eu não nego isso. O fato é que nós estamos caminhando para manter essa coalizão governamental, e se mantivermos essa coalizão governamental até o final, nós vamos manter também uma coalizão eleitoral. Disso eu não tenho a menor dúvida. O PMDB continuará a eleger um grande número de deputados, senadores, governadores, será um partido forte, certamente terá também a Vice-Presidência, portanto estará no governo.

Valor: Quais os riscos à essa coalizão?

Temer: As coisas estão caminhando para a manutenção dessa coalizão. A tendência é essa.

Valor: As mudanças no governo vão ajudar a melhorar essa relação?

Temer: Eu diria que elas nunca estiveram mal...

Valor: Talvez truncadas?

Temer: Sim, um ou outro tumulto, acidental, mas nada mais do que isso, e agora nós acreditamos que o governo, com essa divisão de funções, como acabei de mencionar, vai tomar um rumo em que o PMDB participará intensamente das decisões de governo.

Valor: É verdade que o senhor só ficou sabendo da demissão do ministro Antonio Palocci e da nomeação da ministra Gleisi quando a notícia já estava na internet?

Temer: Isso é mais uma intriga. Eu fui avisado cerca de uma hora e meia antes da saída do Palocci e antes até da carta de demissão dele. Eu recebi com muita naturalidade. O chefe da Casa Civil é uma das pessoas mais próximas da presidente, é quase um chefe de gabinete. Então é natural que a escolha seja exclusivamente dela. Mas ela teve a delicadeza de me chamar e de me avisar muito antes. Uma hora e meia depois, de fato, estava na internet. No caso da articulação política, que já diz respeito mais a uma política de integração com o Congresso Nacional, a presidente me chamou duas vezes. A primeira, quando não havia decisão alguma, para trocar ideias sobre nomes. Depois me chamou no dia seguinte para me dizer que havia decidido pela ex-senadora Ideli e que pedia o nosso apoio. A mim, ao presidente Sarney (o senador José Sarney), aos pemedebistas todos que nós apoiássemos essa indicação. E nós simplesmente dissemos: se a escolha é sua, nós vamos apoiar. É a escolha do governo, é a nossa escolha.

Valor: O que fazer para resolver a disputa PT e PMDB no governo?

Temer: Essa disputa é natural, não deve nos assustar. Há uma certa harmonia entre PT e PMDB. Uma ou outra dificuldade facilmente superáveis. Eu não creio que haja divergência fundamental entre PT e PMDB.

Valor: Então o senhor acredita também que o acordo de rodízio entre os partidos na presidência da Câmara será cumprido?

Temer: Sem dúvida alguma. Foi o ocorreu na legislatura passada, quando nós apoiamos o deputado Arlindo Chinaglia, e depois eles me apoiaram. Aliás, nós até fizemos questão de documentar esse acordo, tanto no passado como agora foi um acordo escrito.

Valor: E nas eleições municipais?

Temer: Nós obviamente vamos tentar - já conversamos sobre isso com o PT - fazer o maior número de alianças possível, mas reconheço a força das realidades locais. Estas é que determinam muitas vezes as alianças. Mesmo que haja uma ou outra divergência nas localidades, isso não vai influenciar no plano nacional.

Valor: O acordo de rodízio na Câmara pode atrapalhar mais a aliança do que as eleições municipais?

Temer: Sem dúvida alguma. Porque aí nós já estamos no plano nacional, não estamos mais no plano municipal.

Valor: Há queixas do governo sobre o comportamento do partido na votação do Código Florestal...

Temer: Deixa eu interromper. Essa votação da Câmara é o primeiro ato de um longo processo legislativo. Tem a votação na Câmara, depois a votação no Senado, que pode fazer eventuais modificações, portanto o projeto retornaria à Câmara, e ao final tem a possibilidade do veto. Esse é o processo legislativo democrático. O que aconteceu com o PMDB da Câmara, e nesse sentido o Henrique Alves [deputado líder da bancada] teve um papel importante porque ele, em várias ocasiões, conseguiu mudar a data da votação para que não se desse uma derrota governamental. Você sabe que havia uma emenda até da oposição, e ele negociou com a oposição para que a emenda fosse de um partido da base, o PMDB, e não da oposição. A emenda da oposição, no sentido do que se discute hoje, era mais grave que a emenda do PMDB. E o Henrique soube negociar isso com muita habilidade para alocar isso numa emenda menos grave e de um partido da base e não da oposição.

Valor: Vamos falar de outros projetos do governo. Ajuste fiscal, qual sua posição?

Temer: O governo está estudando essa matéria, vai fazer propostas, evidentemente antes de fazer propostas vai fazer consultas as mais variadas, eu não tenho ainda este quadro, porque está lá no Ministério da Fazenda. Eu acho que haverá esses ajustes. Já houve não exatamente um ajuste fiscal, mas um contingenciamento de R$ 50 bilhões muito enaltecido pela opinião públicas, porque é uma redução dos gastos. E aos poucos o governo vai atendendo também a demandas, porque houve queixas e na medida que há queixas o governo vai atendendo uma ou outra demanda.

Valor: Desoneração da folha de pagamentos...

Temer: É uma coisa que o governo quer muito fazer. A presidenta não tem se furtado a falar sobre esse assunto, falou na campanha e tem falado permanentemente sobre isso.

Valor: MP das licitações?

Temer: É preciso uma forma mais ágil para podermos dar cumprimento aos compromissos até internacionais que assumimos. Isso não é uma coisa chocante. É claro que haverá fiscalização. É claro que haverá necessidade de exação administrativa, não tenho a menor dúvida disso, e com todos os controles necessários.