Título: Instabilidade mostra cegueira dos agentes
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 17/06/2011, Finanças, p. C2
A incerteza que ronda o mercado externo continuou pautando a formação de preço nas praças locais, notadamente no câmbio, onde não existiriam razões domésticas para uma puxada de alta. A taxa de juros seguirá subindo e a expectativa é de retomada do fluxo financeiro conforme se avolumam ofertas de ações.
Todos esperam o que será feito da Grécia. Não que o país seja primordial dentro da zona do euro, mas sim pela sinalização que trará para outros endividados, especialmente Portugal, que está cotado a ser o próximo a cair se os gregos não forem novamente resgatados. A falta de consenso dentro da União Europeia (UE) e demora na tomada de decisões só agravam esse quadro.
A volatilidade dos preços na quinta-feira foi bastante grande e serve de evidência de que ninguém sabe ao certo o que vai acontecer. Os agentes parecem "tatear" os preços em busca de bons pontos de entrada. Iludem-se e instantes depois desfazem o negócio.
O VIX, que mede a volatilidade das opções na bolsa americana e é visto com um termômetro do medo dos investidores, ilustra bem isso. O índice chegou a cair 2,4% e saltar 15,6%, antes de fechar aos 22,73 pontos, ainda assim alta de 6,6%.
No câmbio local, o dólar comercial começou sob forte pressão compradora, subindo a R$ 1,617 no começo dia, fez mínima a R$ 1,604, mas fechou a R$ 1,610, alta de 0,62%. Na semana, o preço da moeda sobe 0,81%.
Na Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), o dólar para julho mostrava ganho de 0,12%, a R$ 1,6085, mínima do dia, antes do ajuste final. Mas chegou a subir até R$ 1,622. Essa redução das compras no fim do dia não foi acompanhada pelo mercado à vista, e tal hiato de preço pode ser fechado já na abertura desta sexta-feira.
Olhando esse mercado fora do intradia, não há consenso claro de que rumo a moeda americana pode tomar. Para alguns agentes, esse mau humor se dissipa assim que houver um pronunciamento favorável sobre a Grécia e a cotação, por aqui, volta para linha de R$ 1,58. Vale lembrar, também, que já vimos o dólar subir durante o mês só para devolver a alta nos dias finais do período, conforme os vendidos defendem posições para a formação da Ptax (média das cotações ponderada pelo volume), que liquida os contratos futuros.
Em recente relatório, a equipe da BCA Research, empresa de pesquisa independente que atua desde 1949, reforçou sua recomendação de venda do real e do rand sul-africano, alertando sobre um repique de alta no preço do dólar em âmbito global.
Para a BCA, o menor crescimento econômico deve se espelhar pelo mundo, especialmente com a China importando e investindo menos. Entre as grandes economias, os EUA são a que apresenta a menor exposição aos chineses, já que suas vendas para o país representam menos de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
Já os produtores de commodities, como o Brasil e outros desenvolvidos, como a Alemanha, têm uma relação muito mais estreita com a China.
Fora isso, lembrou a equipe da BCA, uma nova rodada de estímulo não é eminente e há chance de um movimento de aperto fiscal nos EUA. "Esses fatores estão criando uma janela de oportunidade para o dólar encenar um rali. Dado que as posições vendidas em dólar são elevadas, esse repique pode ser considerável", diz a companhia.
A BCA ressalta, no entanto, que não está estruturalmente otimista como dólar, mas como a baixa ante moedas emergentes está muito prolongada e há essa chance de recuperação no médio prazo, os investidores devem ficar posicionados para essa alta no preço da divisa.
Os argumentos da BCA são muito bons, mas só têm validade se o governo americano conseguir evitar um default de curto prazo conforme não há sinal de consenso sobre a elevação do teto do endividamento federal. A resposta final para isso vem em agosto.
De volta ao mercado local, mas olhando agora os juros futuros, ata do Copom apenas reforçou a expectativa de elevação da taxa básica em julho.
Os agentes debatem se essa será, de fato, a última alta ou se agosto também reserva mais um aperto. Quem defende uma terceira alta de 0,25 ponto na Selic, aponta que o Banco Central (BC) não pode correr o risco de ver a inflação subir no fim do ano novamente, junto com a atividade.
No entanto, dentro da própria ata e entre os agentes de mercado, a cena externa parece ganhar mais peso.
Caso a situação caminhe para um default da Grécia, com consequências graves sobre liquidez mundial e preço das commodities, o BC pode até deixar a Selic como está, ou seja, em 12,25% ao ano. Mas, por ora, esse é o cenário de menor probabilidade.
Eduardo Campos é repórter