Título: Há algo de novo na política fiscal para atingir o superávit?
Autor: Mendes, Marcos
Fonte: Valor Econômico, 20/06/2011, Opinião, p. A14

O famoso "corte de R$ 50 bilhões" não é uma política de controle da despesa.

Em 2010 o Governo Federal precisou de muita receita extraordinária para atingir a meta de resultado primário. Em 2011 parece que estamos em um admirável mundo novo: em abril o Tesouro já cumpriu metade da meta anual de R$ 81,8 bilhões. Há algo de novo na política fiscal?

Esse bom desempenho parece indicar que estaria dando certo o propalado "corte de despesas" de R$ 50 bilhões anunciado no início do ano. Porém, o que está gerando o superávit é o mesmo modelo que conhecemos desde 1999: aumento de despesas correntes, acompanhado de aumento ainda maior da receita e investimentos em banho-maria.

A tabela abaixo mostra que no primeiro quadrimestre de 2011, em comparação com o mesmo período do ano passado, a despesa, que supostamente estaria sob controle, cresceu 10% ao ano, um ritmo muito superior à inflação de 6,2%. Os principais itens de despesas correntes (pessoal e previdência) cresceram no mesmo ritmo, enquanto o investimento cresceu apenas 5% (o que é até compreensível, por se tratar de um ano pós-eleitoral). Já a receita, surfando em um período de auge do ciclo econômico, subiu 16% e pagou, com sobra, a conta do aumento de despesa corrente.

Esse é um resultado previsível, porque a despesa é rígida e, por mais que o mercado peça e o governo prometa, não há espaço para "cortes de gasto" imediatos e sustentáveis. Na despesa de pessoal, há fatores como a quase impossibilidade de demitir pessoal efetivo, a irredutibilidade de vencimentos, a força político-sindical da categoria, os incentivos políticos à expansão dos cargos em comissão e problemas organizacionais que tornam a política de pessoal pouco eficiente.

A despesa da previdência é refém da decisão de se conceder elevações reais ao salário mínimo ao longo dos anos e de parâmetros benevolentes para a concessão de aposentadorias, tanto no setor privado quanto no setor público.

As demais despesas de custeio estão fortemente vinculadas à variação do PIB nominal (despesas em saúde) e do salário mínimo (benefícios da Lei Orgânica da Assistência Social, seguro-desemprego). Há, ainda, os gastos em educação, que devem equivaler a, no mínimo, 18% da receita de impostos e os programas de alto respaldo político, como o Bolsa Família.

Ao final, menos de 10% das chamadas "outras despesas de custeio" salvam-se de algum tipo de rigidez.

Nesse cenário, as opções para equilibrar as contas públicas de forma sustentável são: (a) reforma da previdência; (b) interrupção do reajuste do salário mínimo por índices superiores ao do crescimento da produtividade; (c) melhorar a qualidade de políticas públicas com alto impacto no gasto, como a gestão de pessoal; (d) reavaliação das políticas industrial e de desenvolvimento regional, que distribuem crédito subsidiado a investimentos privados de discutível prioridade.

O governo tem preferido confiar no permanente aumento da receita. O famoso "corte de R$ 50 bilhões", que sinalizaria uma mudança de postura, está longe de ser uma política consistente de controle da despesa. Prometeu-se uma auditoria da folha de pagamentos, que parece que ainda não saiu do papel; e um pente fino nos desembolsos do FAT, do qual ninguém teve mais notícia. No mais, tratou-se do bom e velho contingenciamento de todos os anos e de adiamento de contratações e concursos que, cedo ou tarde, vão acontecer.

Contando com os bons ventos da economia, o governo tem conseguido "entregar" o resultado primário prometido, o que mantém a capacidade de pagar a dívida pública e evita uma crise fiscal.

Porém, com esse modelo não se consegue avançar e resolver problemas fundamentais da economia brasileira. Enquanto for necessário expandir a receita pública, não haverá espaço para uma reforma tributária que reduza a cumulatividade de tributos, a tributação excessiva de insumos essenciais ou a elevação do custo de contratação de mão-de-obra. É a necessidade de permanente aumento de receitas que impede um acordo político em torno de uma reforma tributária: não há como racionalizar sem reduzir a arrecadação.

O resultado é a perda de competitividade da economia e a incapacidade para lidar com o desafio da valorização do real.

A questão fiscal não é apenas se o governo conseguirá "entregar" o resultado primário, mas também o estrago que se promove ao atingir a meta fiscal por meio de mais tributação e menos investimentos.

E o fato de conseguir atingir a meta de 2011 não é garantia de que isso se repetirá em 2012 e nos anos seguintes. A despesa de 2011 só não está crescendo em ritmo ainda mais forte porque não houve aumento real do salário mínimo neste ano. Porém o refresco de hoje é a pimenta do ano que vem, quando o mínimo terá reajuste real da ordem de 7,5%, por força de uma legislação equivocada.

Não se pode deixar, também, de prestar atenção à forte elasticidade da receita às variações do PIB. Quando o PIB cresce, tudo vai bem, pois a receita supera as expectativas e o superávit desejado se realiza. Mas quando há crises, como a de 2009, a receita desaba fortemente. O sufoco vivido pelo Governo para fechar as contas de 2010 já deveria ter ensinado que é arriscado tornar o equilíbrio fiscal refém do desempenho da receita.

Marcos Mendes é doutor em economia pela USP, consultor Legislativo do Senado