Título: Ambição desmedida
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 20/08/2010, Economia, p. 12

Imbróglio sobre capitalização da Petrobras pelo Tesouro é sequela das megalomanias no pré-sal

A confusão formada em torno da capitalização da parte de controle da União no capital da Petrobras não reflete apenas as disputas de poder entre as burocracias do governo e da estatal. Fosse só isso, bastaria o presidente Lula acordar invocado para calar os brigões.

Não há na discussão ¿ que antepõe de um lado a Fazenda (instância política do Tesouro Nacional), Petrobras de outro e a ANP (Agência Nacional do Petróleo) no meio (enquanto ente regulatório do setor petrolífero) ¿, estritamente uma disputa sobre o preço do petróleo que a União (ou seja, o Tesouro) vai ceder à estatal. E assim, sem dinheiro, portanto, integralizar sua parte no aumento de capital.

Entenda-se: pelos compromissos de expansão que assumiu, US$ 224 bilhões até 2014 ¿ uma fração dos investimentos requeridos para a exploração do pré-sal ¿, a Petrobras não tem como custeá-los com a geração própria de caixa e com a sua capacidade de se endividar.

Até poderia aumentar a dívida, mas com risco de perder o selo de grau de investimento, sujeitando-se a juros maiores e frustrações, dada a instabilidade do mercado financeiro global.

A saída aprovada é fazer uma emissão de ações, das quais o Estado brasileiro, na composição societária atual, tem 55% dos papéis com direito a voto e 40% do capital total, arredondando, distribuído entre 32% do Tesouro e 8% do BNDESPar. O aumento de capital será de até R$ 150 bilhões (sendo R$ 60 bilhões em ações com voto e R$ 90 bilhões em papéis preferenciais). A discussão em curso é sobre como se rateia essa conta entre a União e os acionistas privados.

Em princípio, a direção da Petrobras não teria nada a ver com tal discussão. A sua responsabilidade é dirigir os negócios da empresa conforme os ditames do acionista majoritário, a União, respeitando os direitos dos sócios minoritários e as regras de transparência exigidas às companhias abertas ¿ isto é, com ações em bolsas.

Mas o governo Lula complicou essa relação, que era estável, ao decidir entregar à Petrobras o monopólio da exploração do pré-sal e ainda torná-la sócia de pelo menos 30% de cada bloco licitado. Esse é o nó, não a mudança do regime exploratório de concessão, que se mantém para os blocos fora do pré-sal, para o de partilha.

A capacidade de financiamento da Petrobras, considerados todos os seus projetos, da construção de novas refinarias às investidas em usinas de álcool, gás, química, no exterior, em oleodutos, navios, plataformas etc., se esgotou. Até a estrutura de pessoal, diga-se, estará submetida a um desafio inaudito. Nem se trata de contratar mais gente, mas de inteligência para articular tantos projetos.

Alquimia financeira Mas e daí? Por que a discussão, se o presidente Lula e a então ministra Dilma Rousseff assim quiseram e o Congresso aprovou? É mandar o Tesouro sacar contra o orçamento fiscal e integralizar a parte do Estado no aumento de capital. E a Petrobras que se vire.

Antes fosse só isso, o que já será um desafio hercúleo, que vai ter de provar, na prática, a sua viabilidade. Há dúvidas imensas. Antes delas, porém, tem de ser resolvido o financiamento de todo esse esquema. Esse é o imbróglio. Não há dinheiro sonante para o Tesouro aportar na estatal. O que se cogita fazer, então?

Discórdias do preço Como todo o petróleo não tirado do chão é da União, ou seja, do Tesouro, a ideia é repassar direitos de exploração do pré-sal à Petrobras em volume equivalente ao que o Estado terá de aportar no aumento de capital, numa triangulação com papéis públicos. Estima-se que isso equivalha a 5 bilhões de barris. A discussão é sobre o preço de óleo ¿vendido¿ à Petrobras. A avaliadora contratada pela ANP teria chegado a um valor em torno de US$ 10 por barril. A que a estatal contratou encontrou algo mais perto de US$ 6. Os números não foram ainda divulgados. E se fez a discórdia.

As cascas de banana Quanto maior o preço, mais despesas a Petrobras terá, já que será exploradora única do pré-sal. Seu caixa seria reduzido, limitando os investimentos. Para os acionistas privados, implica um preço de aquisição das ações novas maior. O governo admite o risco de aí a emissão de ações não atrair o capital privado necessário. E, se o preço for baixo, haverá transferência de lucro do Estado ao setor privado, podendo suscitar ações na Justiça contra a União.

O exato equilíbrio da tal ¿cessão onerosa¿ de petróleo da União à Petrobras é questão técnica e política. Nenhuma será satisfatória. O governo jogou casca de banana que nem sequer foi comida no chão.

Drama será recorrente As dificuldades para financiar a Petrobras são o flagrante do dia de um drama que se tornará recorrente, se faltar capital privado a irrigar os projetos desejados pelo governo: a falta de dinheiro no orçamento fiscal para tantos projetos e mais o virtual esgotamento da capacidade de financiamento pelos bancos públicos.

Projetos foram anunciados, como o trem bala, e decisões, tomadas, como dar à Petrobras o monopólio do pré-sal, sem a segurança plena de seu custeio pelo Estado nem as condições para o envolvimento do capital privado. Tudo aprovado pela Câmara e pelo Senado ¿ responsáveis finais pelos investimentos públicos contratados a descoberto.

No caso do pré-sal, bastava o regime de partilha. Mas Lula quis a Petrosal, decidiu compensar a Petrobras, ignorou conselhos etc.