Título: Nas favelas do Rio, a experiência de Medellín
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2011, Brasil, p. A4
Do Rio e de Bogotá
O Rio tem como meta chegar ao fim do ano com ações sociais, urbanísticas e ambientais em todas as favelas onde há Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Com a ocupação da Mangueira, na zona norte da cidade, no domingo, o Rio dá um passo para chegar à 18ª UPP, número que poderá atingir 30 unidades até dezembro. O plano de reforçar a presença do Estado nas favelas, via prestação de serviços públicos de qualidade, segue caminho semelhante ao adotado em Medellín, na Colômbia, que há seis anos começou um trabalho para melhorar as condições sociais em comunidades pobres e violentas.Medellín, segunda maior metrópole colombiana, com 2,3 milhões de habitantes, chegou a ser considerada a cidade mais perigosa do mundo. Em 1991, Medellín registrou 6.349 homicídios. O número caiu para 1.044 em 2008 e hoje situa-se na faixa de 2 mil homicídios por ano. As mortes violentas voltaram a crescer impulsionadas pela disputa pelo mercado de drogas, em menor escala, depois que grandes narcotraficantes foram mortos, presos ou deportados, segundo relatam habitantes de Medellín. O ressurgimento da violência é mais um elemento a ser olhado com atenção na experiência fluminense.
Nas comunidades mais pobres de Medellín, que é marcada, como o Rio, pela desigualdade social, os ganhos foram notórios a partir de uma política nacional de pacificação que determinou, ao longo de mais de uma década, a redução nos índices de homicídios. Só em Medellín, cerca de 800 paramilitares aceitaram entregar as armas em 2004. Em quatro anos, o número de paramilitares desmobilizados no município chegou a 4 mil, algo como 25% dos 16 mil que, no período, abandonaram a luta no país.
"Isso marcou uma mudança na violência na cidade e, a partir daí, o que fizemos foi utilizar toda a força do Estado para incentivar o desenvolvimento de regiões muito pobres e violentas e, assim, reduzir a iniquidade", disse María Eugenia Ramos Villa, gerente-geral da Empresa de Desenvolvimento Urbano (EDU) de Medellín. Ela disse que as intervenções do município nas comunidades pobres, com a articulação da EDU, foram determinantes para aumentar em mais de cinco pontos percentuais o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Medellín, entre 2004 e 2009. O IDH mede a qualidade de vida de uma população de acordo com a renda, a educação e a saúde.
A melhoria do IDH, em Medellín, foi resultado, em grande medida, da evolução das condições sociais nas comunidades 1 e 2, na região nordeste do município, que, desde 2004, receberam cerca de US$ 110 milhões em investimentos relacionados à infraestrutura social e urbana. Nessas comunidades, por exemplo, foi instalado um serviço de transporte via teleférico, ao custo de US$ 41,5 milhões, conectado ao metrô.
As comunidades dessa região de Medellín receberam ainda US$ 67,8 milhões em obras e equipamentos, como escolas e postos de saúde e de assistência social, e na melhoria do espaço público, para que a população pudesse voltar a usufruir as ruas.
O Rio começa a fazer trabalho parecido ao de Medellín, embora especialistas reconheçam que os modelos não podem ser copiados, dadas as características de cada país e, em especial, das diferentes comunidades. "Não é um modelo que possa se pegar e implementar de forma direta e imediata, nem mesmo em outra comunidade dentro do mesmo município", disse María Eugenia. Ela defende que cidades como o Rio e Medellín tenham um fórum permanente para troca de experiências na área de políticas públicas.
José Marcelo Zacchi, diretor de projetos especiais do Instituto Pereira Passos (IPP), ligado à prefeitura do Rio, e que tem sob sua responsabilidade a coordenação do programa da UPP Social, concorda com María Eugenia. "As prioridades e demandas variam de território a território."
Para ele, a pacificação, por meio da ação da polícia, é um pré-requisito para que o resto possa acontecer. Nas etapas seguintes à ocupação da polícia, contudo, é preciso lidar com um conjunto de serviços para reforçar a presença do Estado nas favelas, afirmou. Isso exige identificar, por meio do diálogo com cada comunidade, a agenda dos diferentes territórios.
Zacchi afirmou que o cronograma da prefeitura do Rio prevê chegar a três novas áreas por mês com o programa da UPP Social. Assim, até o fim do ano, os projetos sociais, urbanísticos e ambientais desenvolvidos pela prefeitura, em parceria com os governos estadual e federal, chegariam a todas as favelas ocupadas com UPPs, incluindo a Penha e o Complexo do Alemão. O Complexo do Alemão, que foi ocupado em novembro de 2010, poderá ter entre 8 e 11 UPPs.
Para Ricardo Henriques, presidente do IPP, a UPP Social não tem o objetivo de reproduzir a burocracia administrativa e institucional do município. "Um fundamento da UPP Social é ser transitória." Segundo ele, o programa tem o objetivo de funcionar como uma agenda de facilitação e coordenação das diferentes esferas. "Quando as secretarias municipais tiverem incorporado rotinas para as favelas, semelhantes às que existem para a cidade, não se precisará mais da coordenação."
Hoje, as instituições que compõem o governo ainda não se adequaram para trabalhar nas favelas. Uma das principais reclamações de comunidades ocupadas por UPPs no Rio, como o caso do Borel, na zona norte, refere-se à coleta de lixo. A Comlurb, empresa de limpeza urbana do Rio, está se adequando, para fazer a coleta de lixo nas encostas do Borel.
Na visão de Henriques, é preciso quebrar a divisão existente no Rio, que sempre tratou a favela como área segregada da cidade, mesmo antes do tráfico de drogas. "A cartografia da cidade nos anos 80 tinha a área formal, mas quando entrava na favela surgiam nos mapas áreas brancas", disse.
"A guerra aumentou essa percepção nas políticas públicas. Mas isso não quer dizer ausência de serviços públicos, de equipamentos como escolas e postos de saúde", avalia Henriques. "A questão é que os serviços que lá existem são precários, vulneráveis. A paz cria condições para enfrentar a precarização do serviço público e também permite enfrentar o comodismo das autoridades, de pensar que não se pode fazer."
O repórter viajou a convite da Proexport Colombia