Título: Casagrande enfrenta 2ª crise desde a posse
Autor: Klein, Cristian
Fonte: Valor Econômico, 21/06/2011, Política, p. A10

Estados : Segundo mais bem votado do país, governador tem desgaste nas áreas de transportes e saúde

De Vitória

A crise enfrentada pelo governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), com constantes manifestações de estudantes nas ruas de Vitória, é a segunda em menos de seis meses, desde que ele tomou posse. Na primeira, na área de saúde, Casagrande foi obrigado a comprar leitos de hospitais particulares para atender à demanda do sistema público deficitário. O governador foi o segundo mais bem votado proporcionalmente nas eleições do ano passado, com 82,3%, e detém o controle de todas as 30 cadeiras da Assembleia Legislativa.No entanto, se a oposição não prospera nas instâncias políticas tradicionais, ela anda nas ruas e nos movimentos sociais.

Agora, o governador é questionado pelas condições de transporte na região metropolitana e pela atuação da tropa de choque da Polícia Militar, o Batalhão de Missões Especiais (BME). Com histórico de ações violentas, o BME tem sido criticado não só pelos estudantes, reprimidos em protestos que pedem a redução da tarifa de ônibus, mas também por entidades como a seção estadual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) e o Conselho Estadual de Direitos Humanos.

"Esses atos de violência são inconcebíveis e inaceitáveis", afirma o presidente da OAB-ES, Homero Mafra, que pediu ao Ministério Público que apure a atuação do oficial do BME que comandou a ação da tropa, no dia 2 de junho, contra estudantes na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O ataque do batalhão, que utilizou balas de borracha e gás lacrimogêneo, prendeu 28 estudantes e atingiu até o reitor, provocou a revolta de representantes da sociedade civil e desencadeou uma série de protestos desde então. No dia seguinte, quase 5 mil pessoas foram às ruas de Vitória.

"O uso da força é o último recurso. E já temos dois episódios graves", diz o advogado, que espera nesta semana receber o resultado do pedido feito ao procurador-geral de Justiça, Fernando Zardini.

O outro episódio de violência a que Mafra se refere é o ocorrido em meados de maio, quando 1,6 mil pessoas, que moravam em 313 casas, foram retiradas à força de um terreno da prefeitura, no município de Aracruz, devido a uma reintegração de posse. O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Gilmar Ferreira, estava no local e diz que a polícia agiu com muita violência. Entre os desalojados havia muitas crianças e idosos. Moradores ficaram feridos com bala de borracha e uma senhora morreu após sofrer um acidente vascular cerebral.

Ferreira afirma que, pela primeira vez, uma ação de reintegração de posse foi feita sem que o Conselho Estadual de Direitos Humanos fosse chamado para atuar no caso. Sua ida só foi possível porque um morador da região conseguiu localizá-lo. Mas mesmo ele, vestido de terno e gravata, como ressalta, foi atacado ao tentar conversar com a polícia.

"Quando eles viram que eu estava me aproximando jogaram uma bomba na nossa direção. Depois pedi a um morador que fosse até lá e dissesse quem eu era e qual a minha função. Ele voltou com a resposta dos policiais: que eu ligasse para o número 190 e procurasse o comando do batalhão local", conta.

Gilmar Ferreira fez um relatório do que viu para o governador e autoridades locais. No documento, propõe dois pontos: a criação de um manual de procedimento que estipule limites para o BME e a necessidade de mediação e diálogo e um trabalho social prévio com as famílias antes de retirá-las, sobretudo voltado para as crianças e os idosos.

A operação violenta do Batalhão de Missões Especiais em Aracruz é apontada por estudantes como um dos fatores que os levaram a voltar às ruas neste mês. Eles incluíram a extinção do BME na pauta de reivindicações do movimento, que pede melhoria do sistema de transporte.

Destacado pelo governador para falar sobre a crise, o secretário de Ações Estratégicas, André Garcia, afirma que não sabe se há relação entre o episódio em Aracruz e o recrudescimento dos protestos dos estudantes. Ele argumenta que o movimento é vago, tem muitas bandeiras e existe dificuldade de negociação. "Já houve tentativas de reuniões, mas eles ligaram e desmarcaram 15 minutos antes do encontro."

Na quarta-feira, cerca de 200 estudantes conseguiram cancelar um grande evento em Vitória, o 1º Fórum Nacional de Reforma Eleitoral, cuja abertura seria feita pelo vice-presidente da República, Michel Temer, que desembarcou na capital, mas desistiu de seguir para o centro de convenções por falta de condições de segurança. Desta vez, a ação dos manifestantes, que chegaram a quebrar portais de detecção de metal, foi aliada à inação da polícia, que temia, com seu "modus operandi", atingir autoridades e participantes que chegavam ao congresso. Cerca de 110 prefeitos estavam no fórum.

O de Vitória, João Coser (PT), afirma ter ajudado muito na realização do evento, por exemplo, com agentes de trânsito e limpeza urbana, mas que "segurança pública é competência do governo estadual".

"Nós temos prática de receber grandes eventos, mas o fato gerador do cancelamento, a insegurança, isso é novo. É um ingrediente novo sobre o qual temos que refletir", disse.