Título: PT versus PT
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 22/06/2011, Brasil, p. A2

Na histórica entrevista que deu ao Valor, o governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), deixou claro que a conflagração do PT paulista representa uma ameça à estabilidade do governo Dilma. A disputa fratricida e interminável do partido por cargos enfraquece a presidente e obscurece os destinos de sua gestão. O clima de rebelião permanente tem reflexos na economia.

A denúncia não é da oposição, mas de um petista histórico. "(...) Sobre a palavra da presidente não pode haver intrigas, operações de sabotagem, bairrismos e partidarismos", disse Déda, com conhecimento de causa. "O PT não poder perder de vista que é o partido da presidente. E que tem a primeira das responsabilidades na garantia da estabilidade."

Inconformado com a perda de espaço no governo, o PT paulista age como se não respeitasse Dilma, como respeitava Lula. Na prática, encara a eleição dela como uma dádiva de Lula e, no limite, do próprio partido. É verdade que, em grande medida, Dilma chegou à presidência porque foi ungida pelo ex-presidente, do alto de sua elevadíssima aprovação popular.

Disputa ameaça estabilidade do governo

Mas isso não importa mais. Para o bem ou para o mal, a presidente do Brasil hoje chama-se Dilma Rousseff, e presidentes, no regime político adotado pelo país, podem muito, embora não possam tudo. Os petistas vão para cima da presidente sem pudor, exigindo cargos, nacos de poder e refúgio para candidatos derrotados nas eleições e integrantes da máquina partidária que perderam emprego durante a transição de governo. Quando não cobram o quinhão publicamente, o fazem de forma velada, com ameaça de denúncias, dossiês e que tais.

O PT da disputa interna de teses, como bem lembrou Marcelo Déda, ficou para trás, o que torna o partido muito parecido com o PMDB, há muito uma sigla dedicada exclusivamente ao toma-lá-dá-cá da política nacional.

Petista sem grande convicção - ela se filiou à legenda em 2000 -, Dilma tem uma fragilidade: ela não controla o PT. Como não se sente uma petista orgânica, mantém-se à distância. E, vendo o partido disputar à tapa os espaços de seu governo, procura mantê-lo igualmente à distância.

Lula, depois de perder duas eleições presidenciais, operou para que o PT mudasse o discurso e passasse a aceitar alianças à direita. Num dado momento, a legenda foi controlada com mão de ferro pelo ex-ministro José Dirceu, sempre a serviço de Lula. Mas se o desafio de Lula era controlar os grupos petistas mais à esquerda, o de Dilma é aplacar o fisiologismo.

Essa briga intestina do PT e o pouco apreço da presidente pela vida partidária, menos ainda pela articulação política, criam riscos para o desempenho do governo, especialmente na área econômica.

Não havia, de fato, condições políticas para a manutenção de Antônio Palocci no governo. Nem o seu partido o apoiou. Pouco se falou, no entanto, sobre os reflexos da saída dele na correlação de forças dentro do governo.

A ideia de Palocci como fiador do Palácio do Planalto junto aos setores empresarial e financeiro era, certamente, exagerada. O fiador é a presidente, com as decisões que tomou até agora. Ainda assim, Palocci era o principal ministro e conselheiro de Dilma. Mesmo sem expressar publicamente posições sobre temas econômicos, internamente defendia, desde a campanha eleitoral, uma postura fiscal conservadora, além do respeito à autonomia do Banco Central (BC) e a permanência do regime de câmbio flutuante.

Palocci era, também, a última linha de defesa da política de juros posta em prática pelo BC, e que já começa a causar tensões dentro do governo. O BC está aumentando os juros no momento em que a inflação, por razões sazonais e portanto temporárias, está cedendo. A batalha maior, que é coordenar as expectativas para que os agentes econômicos acreditem que o IPCA convergirá para a meta de 4,5% em 2012, ainda não foi vencida. O BC vai precisar de apoio e não há um só ministro, dentre a constelação de 38 existente em Brasília, a defendê-lo.

O Banco Central já comunicou ao governo que a economia crescerá muito provavelmente abaixo de 4% este ano. Se as expectativas de inflação para 2012 não melhorarem, a dosagem de juros talvez tenha que ser maior do que a adotada e prenunciada até agora. Isso derrubará o crescimento também em 2012, o que significa dizer que, em metade do mandato da presidente Dilma, a economia brasileira crescerá menos de 4% ao ano, abaixo, portanto, do seu potencial.

O mercado, quando antevê inflação crescente no ano que vem - as expectativas vêm piorando há várias semanas (já se prevê IPCA de 5,18%) -, está claramente pessimista. Não responde favoravelmente às decisões e sinalizações do BC, o que é ruim para a própria tarefa de baixar a inflação. Esse pessimismo é essencialmente reflexo das ações políticas do governo, política aqui entendida como o conjunto das decisões que ditam o rumo do país.

A falta de apoio do PT, particularmente de seções paulistas, as mais fortes, e a inapetência da presidente pela política só tendem a exacerbar os riscos de um ambiente que, na economia, já não é muito favorável.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras