Título: BC deve manter foco no centro da meta de 2012
Autor: Bittencourt,Angela
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2011, Brasil, p. A4

As condições fiscais do país ou uma ruptura no cenário externo sempre podem abreviar o ciclo de aperto monetário. Apesar dessa avaliação, analistas do mercado financeiro consideram que política fiscal e economia internacional não serão destaque no Relatório de Inflação do segundo trimestre, que será divulgado hoje pelo Banco Central (BC).O foco do documento deve ser a reafirmação do compromisso do BC com a convergência da inflação para o centro da meta em 2012 e com o ajuste "prolongado" das condições monetárias para que esse objetivo seja alcançado. Política fiscal e cenário externo - centrados em Grécia e EUA - devem constar do cardápio do BC, especialmente durante a entrevista do diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo. "O Relatório de Inflação deve ter um tom austero, consistente com o comunicado da última reunião do Comitê de Política Monetária e com a ata. O BC deve reforçar o seu compromisso com o centro da meta de inflação no ano que vem. Deve destacar, adicionalmente, sua atenção ao ritmo de expansão dos salários e indicar preocupação com a inflação de serviços", afirma Marcelo Carvalho, economista-chefe do BNP Paribas para a América Latina.

Carvalho não acredita que o BC "vai cantar vitória antes da hora" quanto ao controle da inflação. "O relatório deve registrar que há, como se previu, melhora da inflação no curto prazo e deve manter cautela quanto ao ritmo da atividade econômica. Afinal, o IBC-Br, o índice de atividade do BC, veio mais forte que o esperado em abril", diz.

Zeina Latif, economista-chefe do Royal Bank of Scotland (RBS) no Brasil, lembra que o BC pode alterar a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, mas considera improvável que isso aconteça. "O BC não deve mudar a projeção à luz do IBC-Br de abril, divulgado recentemente. O indicador veio forte. Se o BC tinha alguma inclinação para rever para baixo a projeção de aumento do PIB em 4% neste ano, o IBC-Br pode ter imposto maior cautela."

A economista do RBS faz outra ponderação sobre o Relatório de Inflação do segundo trimestre. Ela observa que a defasagem temporal entre a divulgação da ata do Copom e do relatório é de apenas duas semanas, o que deve limitar abordagens novas nesse último documento. "A estratégia do BC deve ser confirmada com foco em 2012. Considerando o avanço de mais um trimestre no calendário, já teremos nesse relatório de junho projeções para o primeiro semestre de 2013. Mas não acredito que o BC já dará ênfase a 2013. Isso deve acontecer, sim, mas ao longo do segundo semestre deste ano."

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, também alerta para a forma como o BC tratará a atividade, por considerar a desaceleração vista no segundo trimestre mais momentânea do que uma tendência. "No caso da indústria, teve a ver com o efeito Japão e as greves nas montadoras. Além disso, a alta da inflação tirou renda real dos trabalhadores, o que pontualmente desacelerou o consumo. Veremos, portanto, um PIB voltando a crescer num ritmo mais forte do que no segundo trimestre. Quanto à inflação, passado o momento positivo de commodities agora na virada do semestre, voltaremos a nos preocupar com a aceleração no final do ano."

Para o economista da MB Associados, o BC segue focado no curto prazo e não está dando valor às condições de longo prazo. Vale espera que o Relatório de Inflação continue dando peso às commodities e ao cenário internacional, que, avalia, piorou no segundo trimestre, devido ao efeito Japão e a vários desastres na economia americana.

A política fiscal, que vem produzindo resultados positivos, segue no radar do mercado, mas não deve levar o BC a externar preocupação particular com o tema, comentam analistas. "O BC deve reafirmar que o país caminha para o cumprimento das metas fiscais", afirma Carvalho, do BNP Paribas, que resume a opinião de vários economistas. Mas alguns gostariam de ver uma postura mais clara do BC quanto às contas públicas.

Um economista que prefere manter o anonimato considera que o BC está se abrigando na ambiguidade do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que preserva a prerrogativa de abater o Plano Plurianual de Investimentos da meta de superávit primário em 2012. O BC não vem citando em seus documentos a possibilidade de abatimento do PPI (que implicaria superávit primário menor) em 2012, mas implicitamente considera esse abatimento ao referir-se genericamente ao projeto da LDO.

A curva de juros não embute piora no quadro fiscal e mantém a sinalização de alta da taxa Selic em 0,25 ponto percentual pelo Copom em julho. De agosto em diante, as apostas ficam em aberto no pregão da BM&F. Departamentos econômicos de grandes bancos dividem-se entre os que esperam leve recuo ou estabilidade do juro básico em 12,5% até o fim de 2012. A manutenção dessa expectativa depende fundamentalmente, porém, da consistência das contas públicas, que devem mudar radicalmente no ano que vem.

"A combinação, este ano, de contenção de despesas na boca do caixa, um salário mínimo zerado e gastos adequados a um período pós-eleição vem efetivamente desacelerando os gastos reais nas três esferas públicas. Essa rara moderação conjunta na União, nos Estados e nos municípios ocorreu pela última vez em 2003 e deve se mostrar efêmera", alerta Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, para quem dificilmente esse positivo resultado conjunto vai se repetir no ano que vem.

"Ao menos este ano, a conjuntura confirmará que faz diferença quando um terço da economia - representado pelos governos federal, estaduais e municipais - deixa de crescer o dobro do PIB para crescer tanto quanto ele", avalia Montero.

Em 2012, os investimentos serão retomados com força. O salário mínimo terá reajuste real expressivo. As eleições municipais aquecerão despesas pontuais, Estados pressionarão brechas para ampliar gastos, que serão acrescidos de outros que foram adiados ou represados. A possibilidade de pagamento de precatórios judiciais, que deverão ser quitados numa única parcela, seria mais uma pressão a considerar. Apenas a folha de salários deve continuar comportada, diz Montero, considerando que o governo conseguirá evitar projetos que rondam o Congresso. Ainda assim, somente a folha federal deve ficar comportada, uma vez que muitas folhas de pagamento regionais sofrerão impacto com o ajuste do novo mínimo.