Título: Para Mercadante, missão heroica levou a dossiê
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2011, Política, p. A7

Partidos : Ministro rebate acusações e diz que aloprados agiram porque julgavam que PT era perseguido

De Brasília

O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, rebateu no Senado acusações de envolvimento na tentativa de compra de dossiê contra tucanos, na campanha de 2006. Alegou ter sido inocentado pelo Ministério Público e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Perguntado sobre as motivações dos petistas responsabilizados - conhecidos como "aloprados"-, justificou com a "trajetória de luta contra a ditadura". Segundo ele, os militantes do PT achavam que tinham uma "missão heroica" a cumprir.

"Naquele período histórico [ditadura], tinha várias concepções políticas. Quem estava dentro de uma organização [achava que] estava cumprindo papel histórico muito importante e, portanto, tinha direito de fazer o que tivesse que fazer para atingir aquele objetivo. A ditadura marcou profundamente uma parte da geração que veio depois. A democracia vai construindo novos valores", disse Mercadante na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Mercadante citou argumento de envolvidos no episódio. "O sentimento era que o governo do PT estava sendo criminalizado pela imprensa, era [acusado de ser] sanguessuga e de desenvolver ambulâncias fraudulentas, sendo que dois terços delas eram do governo anterior. O sentimento deles era que a mídia não divulgava o que estava acontecendo e tinham uma missão heroica para fazer."

Atribuiu a publicação de matéria sobre o assunto, na revista "Veja", cinco anos depois do fato, à tentativa de envolver a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). "Ideli não tem nada a ver com essa história", disse. Mercadante negou ter se reunido com o petista Jorge Lorenzetti - de Santa Catarina, terra de Ideli-, envolvido no caso.

"Tentar colocar o sujeito numa reunião em que ele não estava, para fazer vínculo com a Ideli, é completamente injusto. Não acho politicamente correto. Espero que isso possa ser superado e que a gente possa deixá-la trabalhar na tarefa, que é difícil, de articulação política do governo", afirmou o ministro.

Mercadante considerou "história fantasiosa" e uma "ilação" que "não para em pé" sua suposta aliança com o ex-governador Orestes Quércia, morto em 2010, para conseguir o dinheiro para comprar o dossiê. "A tese não é nova. Li notinhas na época. Por que voltou hoje? Porque Quércia está morto. Se estivesse vivo, negaria tudo", disse, negando qualquer relação com o pemedebista, que era aliado do PSDB em São Paulo.

À "Veja", o petista Expedito Veloso, ex-diretor do Banco do Brasil que analisou documentos que seriam usados no dossiê, afirmou que Mercadante, então candidato a governador de São Paulo, era um dos responsáveis e teria se aliado a Quércia na história do dossiê contra o também candidato José Serra (PSDB).

Na época, Hamilton Lacerda, um dos coordenadores da campanha de Mercadante, foi visto no hotel onde estava o dinheiro (R$ 1,7 milhão) para comprar o dossiê e procurou a revista "IstoÉ" para tentar divulgar a papelada. O ministro relatou ter afastado Lacerda imediatamente, por "quebra de confiança", quando soube. "Não posso ser responsabilizado por um assessor que trabalhou no comitê por cinco meses."

Mercadante citou parecer da Procuradoria-Geral da República que diz não haver "um único elemento nos autos" que apontasse seu envolvimento e lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) recomendou arquivamento, por falta de provas contra ele.

A reunião da CAE durou cerca de quatro horas e vários senadores fizeram perguntas. Foi uma estratégia da base para possibilitar defesa de Mercadante e afastar tentativa de convocação. Foi constrangedor quando Francisco Dornelles (PP-RJ) afirmou não prejulgar, numa atitude diferente da que Mercadante teve quando senador. "Vossa excelência foi protagonista de um dos mais violentos casos que ocorreram no Senado na legislação anterior. Sem que existisse qualquer prova, indício, peça material, vossa excelência subiu à tribuna e pediu cassação de mandato de dois senadores", disse, numa referência a escândalos que envolveram Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Dornelles, exaltado, disse que o então senador "pretendia acusar e condenar senadores sem que houvesse contra eles qualquer prova concreta". Concluiu citando um dito popular: "Nada como um dia atrás do outro".