Título: Gestos de Dilma para o PSDB ajudam a distensão política
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2011, Opinião, p. A14

Mais que um simples gesto de civilidade, as recentes manifestações de apreço da presidente Dilma Rousseff em relação ao PSDB concorrem para a distensão política no país. Nesse sentido, contribuem para a consolidação do longo processo de redemocratização brasileiro, ciclo iniciado em 1985 com a posse de José Sarney, o primeiro presidente civil depois do golpe militar de 1964.

Desde então, PMDB, PSDB, PFL e o PT compartilharam o exercício do poder. A alternância entre extremos no espectro político tornou funcional uma democracia conquistada a duras penas. Mas o ambiente político se radicalizou nos últimos anos, especialmente após a descoberta do mensalão, o suposto esquema de compra de votos em troca de apoio ao governo que teria sido montado pelo PT no Congresso.

Ameaçado de impeachment, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu-se na trincheira da luta de classes. Em mais de uma ocasião acusou as elites do país de conspirarem contra os interesses de um governo chefiado por um trabalhador. Nesse embate, polarizou a disputa elegendo como alvo o governo de seu antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso, qualificando-o de antinacionalista e contrário aos mais pobres.

Nesse clima de radicalização, Lula ganhou o direito a mais um mandato e depois assegurou a eleição de Dilma Rousseff, numa campanha que só encontra paralelo, na redemocratização, na eleição de Fernando Collor, em 1989. Há 22 anos a baixaria foi de Collor, que em sua publicidade eleitoral acusou Lula de tentar convencer a namorada a praticar um aborto. Ano passado, novamente o aborto estava no centro da campanha, dissimulado no discurso do tucano José Serra contra a candidata petista Dilma Rousseff.

A campanha de 2010 foi sem dúvida um retrocesso na trajetória democrática do país. Os episódios de 1989 e de 2010 são dolorosos, duros de ser lembrados, mas nunca devem ser esquecidos para que a sociedade, em geral, e a classe política em particular, tenham sempre em mente que radicalização apenas leva a mais radicalização. Não como em um círculo vicioso, mas como num processo em que, ao fim e ao cabo, a vítima pode ser a própria democracia.

Desde a posse, em janeiro, no entanto, a presidente Dilma tem dado seguidas demonstrações de que pretende interromper a escalada verbal entre os dois partidos. Seu primeiro gesto foi o convite a Fernando Henrique Cardoso para participar do almoço com Barack Obama. Dilma também lembrou-se do aniversário de José Serra, em março. Mas é a mensagem endereçada a FHC pela passagem dos 80 anos do ex-presidente que configura os termos da distensão.

Na carta a FHC, Dilma enaltece o "político habilidoso" e o "acadêmico inovador", mas sobretudo reconhece "o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica". Papel que era sonegado por Lula, o PT e - como não dizer? - grande parte do PSDB. "Não escondo que nos últimos anos tivemos e mantivemos opiniões diferentes", disse Dilma na mensagem. "Justamente por isso, maior é minha admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias".

Certamente há no PT e no PSDB quem torça o nariz aos gestos da presidente, mas eles já se traduzem em atitudes como a dos cinco ministros do atual governo que compareceram às cerimônias fúnebres do ex-ministro da Educação nos oito anos de FHC, Paulo Renato Souza, outro a merecer reconhecimento - tardio - pelas inovações feitas no sistema educacional brasileiro.

A distensão patrocinada por Dilma demonstra que há espaço para o entendimento em torno de problemas para os quais as forças políticas não conseguem chegar a bom termo, como a reforma política e a celebração de um novo pacto federativo.

PT e PSDB têm passado semelhante, foram forjados no mesmo cadinho que deu funcionalidade à democracia brasileira. A opção dos grupos que lutaram contra a ditadura poderia ser até a luta armada, como ocorreu em outros países, se o processo de redemocratização não permitisse e assegurasse à oposição chegar e se manter institucionalmente no poder. Essa é a força em que reside nossa democracia e que deve a todo custo ser preservada.