Título: Com apoio dos EUA e do Brasil, Lagarde assume comando do FMI
Autor: Talley, Ian
Fonte: Valor Econômico, 29/06/2011, Finanças, p. C2

Dow Jones, de Washington

O conselho executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) nomeou ontem oficialmente Christine Lagarde para ser a próxima diretora-gerente da instituição, após a ministra das Finanças da França ganhar de última hora o apoio dos Estados Unidos e vários dos maiores países emergentes.

A decisão entrega o cargo para uma ministra que desempenha papel crucial na negociação do financiamento dos pacotes de resgate na Europa, cuja crise das dívidas soberanas ameaça interromper a frágil recuperação econômica mundial. Lagarde também assumirá um dos cargos financeiros mais poderosos do mundo, em um momento em que os desequilíbrios no crescimento mundial ressuscitam políticas protecionistas e em que economistas alertam para riscos futuros aos bancos, decorrentes da lentidão da reestruturação do sistema financeiro.

Lagarde será a primeira mulher no cargo e o 11º diretor-gerente consecutivo da Europa.

A indicação conclui processo de seleção de cinco semanas para substituir Dominique Strauss-Khan, que renunciou em maio após ser acusado de abuso sexual. Muitos especialistas conhecedores do FMI dizem que Lagarde era uma escolha inevitável, graças ao apoio europeu desde o início do processo - mesmo antes de o FMI oficialmente começar a procurar um substituto - e ao acordo informal entre Estados Unidos e Europa nas indicações de altos cargos no FMI e Banco Mundial.

Os EUA garantiram a manutenção, pela sétima década, de um europeu no comando do banco mundial de última instância, ao apoiar Lagarde poucas horas antes do início do encontro do conselho do FMI.

O secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, afirmou que o "talento excepcional e a ampla experiência [de Lagarde] proporcionarão uma liderança inestimável para essa instituição indispensável, em um momento crítico para a economia mundial".

O apoio de Washington a Lagarde, somado ao respaldo da Europa, China, Brasil e Rússia, deu-lhe clara maioria entre os 24 países ocupantes do conselho. O rival de Lagarde, Agustín Carstens, presidente do banco central mexicano, nunca conseguiu arregimentar o mesmo grau de apoio das economias emergentes e das desenvolvidas. Recebeu apoio público apenas de três países no conselho. Optou-se, então, contra uma votação formal, com o conselho indicando o próximo chefe do FMI por consenso.

Os EUA, país com maior direito a voto, mantiveram-se à distância da disputa política na corrida de sucessão. Geithner, no entanto, disse ontem ter sido encorajado pelo amplo apoio recebido por Lagarde, incluindo o dos países emergentes.

Apesar do silêncio prolongado de Washington, antigas autoridades do Tesouro dos EUA e do FMI já haviam previsto que o país acabaria votando em Lagarde para manter o acordo informal, que lhe garante direito de escolher o ocupante do segundo principal cargo no FMI e a presidência do Banco Mundial.

Enquanto Carstens, ex-diretor-gerente adjunto do FMI, era celebrado por sua formação como economista, Lagarde, ex-advogada, é conhecida por sua destreza política. Muitos conhecedores do FMI dizem que sua falta de formação formal pode minar sua administração da instituição, dada a complexidade das decisões que o próximo diretor-gerente terá de tomar. Também argumentaram, no entanto, que suas habilidades políticas podem revelar-se inestimáveis para administrar a crise das dívidas soberanas europeias; levar adiante a agenda econômica do G-20, de reequilíbrio da economia mundial; e supervisionar uma reestruturação de governança no FMI que dê mais poder aos mercados em desenvolvimento.

Nos primeiros meses, Lagarde terá de navegar cuidadosamente no cargo, para superar vários obstáculos políticos.

Autoridades dos EUA, Europa e FMI haviam se comprometido a promover uma indicação "aberta, transparente e baseada em méritos". Carstens, vários outros economistas e autoridades de países emergentes, no entanto, diziam que se o conselho indicasse outro europeu, corroeria a percepção de muitos países em desenvolvimento quanto à legitimidade do FMI.

"O processo é comprometido", disse o Arvind Subramanian, do Peterson Institute for International Economics e ex-funcionário do FMI. O economista argumenta que a Europa tem uma parcela desproporcional dos votos no conselho, o que lhe dá uma "vantagem desconcertante".

Arvind e outros economistas dizem que a promessa de Lagarde de dar mais representação aos mercados emergentes pode ter ajudado a ganhar o apoio de países como Brasil, dividindo a pouca unidade que podia haver entre economias em desenvolvimento.