Título: Baixo investimento federal reforça superávit
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2011, Brasil, p. A4

Contas públicas: Nos primeiros cinco meses do ano, gasto com obras e inversões cresceu apenas 1,1% sobre 2010

De Brasília

O governo federal encerrou os primeiros cinco meses do ano com um superávit de R$ 45,4 bilhões, o dobro do registrado em igual período do ano passado. Esse resultado foi montado sobre uma expansão de 17,4% das receitas (que atingiram R$ 396,3 bilhões) e um incremento menor das despesas (9,1%) em igual comparação. Ao mesmo tempo em que o ritmo de elevação das receitas foi quase duas vezes superior ao das despesas, o governo reduziu drasticamente a evolução dos investimentos, que aumentaram apenas 1,1% na mesma comparação. Entre os primeiros cinco meses de 2009 e 2010, os investimentos aumentaram 70,6%.

Divulgado ontem pela Secretaria do Tesouro Nacional, o saldo primário do governo central em maio foi de R$ 4,1 bilhões, muito superior ao déficit de R$ 505 milhões registrado no mesmo mês do ano passado, o que levou o acumulado no ano a atingir 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo Arno Augustin, secretário do Tesouro, o governo deve cumprir "com sobras" a meta de superávit primário no ano - que é de 2,1% do PIB para o governo central e 2,9% do PIB para o setor público (que leva em conta as estatais).

"O governo está conseguindo entregar uma consolidação fiscal muito favorável neste ano, revertendo a política de 2009 e 2010, quando os gastos foram elevados para combater a crise mundial", disse Augustin. Os R$ 45,4 bilhões de poupança obtidos nos primeiros cinco meses do ano são o segundo melhor resultado para o período desde a adoção do superávit primário, em 1999 - inferior apenas aos R$ 53 bilhões dos primeiros cinco meses de 2008.Os investimentos, que o Tesouro discrimina como "outras despesas de capital", aumentaram R$ 3,4 bilhões em maio - patamar inferior aos R$ 3,8 bilhões gastos em investimentos no mesmo mês do ano passado. De acordo com Cleber Oliveira, subsecretário do Tesouro Nacional, o incremento mais vagaroso dos investimentos é explicado, "em boa parte", pelo início de governo. "Falamos de decisões que envolvem licitações, licenças ambientais e outros trâmites, que não são velozes", afirmou Oliveira. Ao Valor, o subsecretário afirmou que a tendência é que os investimentos acelerem a partir do segundo semestre. Mas, disse ele, "ao mesmo tempo, o aperto fiscal continuará firme".

Os gastos com custeio da máquina pública, que atingiram R$ 53,9 bilhões entre janeiro e maio deste ano, foram 6,5% maiores que em igual período do ano passado, mas o ritmo foi menor - o avanço dos gastos, entre 2009 e 2010, foi de 25,5%.

Segundo Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, a redução dos gastos com custeio e investimentos deve ser celebrado, uma vez que atinge o objetivo perseguido pelo governo, de desaquecer a demanda doméstica. No entanto, diz Montero, trata-se de um ajuste transitório. "O governo está fazendo em 2011 o que pode ser feito em termos de ajuste fiscal, porque todo o resto é engessado", diz Montero, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1999 e 2002. "O governo não poderá segurar os investimentos por muito mais tempo, e, além disso, há uma despesa de R$ 23 bilhões contratada para o ano que vem oriunda do forte reajuste no salário mínimo", afirma Montero. "É como uma pessoa que perde dez quilos em duas semanas, para ficar magro, mas depois ganha tudo de novo".

Montero estima que a expansão fiscal realizada pelo governo no ano passado foi muito superior ao resultado oficial, da mesma forma que o aperto deste ano é mais expressivo do que parece. O economista excluiu o mês de dezembro da conta de 2010, quando muitas despesas foram lançadas para janeiro de 2011 para "melhorar a cara do superávit primário de 2010", diz Montero. Assim, a expansão de gastos entre janeiro e novembro de 2010, em relação a igual período do ano anterior, foi de 16,1%, em termos nominais - resultado superior aos 14,9% quando se leva em conta o resultado do ano fechado. Da mesma forma, a expansão das despesas do Tesouro nos seis meses entre dezembro de 2010 e maio deste ano foi de 8,2% - inferior aos 9,1% registrados entre janeiro, quando as contas foram infladas pela herança de dezembro, e maio.

Para Felipe Salto, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, o governo federal está "perdendo a chance" de instituir, no primeiro ano de mandato da presidente Dilma Rousseff, uma regra para a elevação dos gastos com pessoal. No ano, entre janeiro e maio, as despesas com pessoal e encargos aumentaram 11,2% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo R$ 73,2 bilhões - sendo R$ 13,8 bilhões apenas em maio. "Estas despesas são mais rígidas", diz Salto, "porque a constituição proíbe demissões, os salários são altos e os benefícios previdenciários muito elevados". De acordo com o especialista, o ajuste realizado sobre investimentos e contando com aumento das receitas é insustentável.