Título: Microcrédito migra para o Sudeste
Autor: Marques, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2011, Finanças, p. C1

De São Paulo

A Rainha da Cocada é cliente do Banco Itaú. Cansada de empurrar carrinho de Yakult pelas ladeiras paulistanas, Izaura Neves resolveu abraçar suas raízes baianas e investir no doce de côco. O problema é que por mais gostoso que fosse o quitute, engrenar as vendas era difícil. "Eu vendia cocada na porta de casa, no degrau mesmo", diz.

As coisas começaram a mudar quando dona Izaura recebeu a visita de um agente de crédito. "Eu lembro de ter pensado "Essa aí eu quero ajudar"", conta Marcelo Lacerda, o funcionário que visitou a quituteira. "O que me chamou atenção era o cuidado com que ela arrumava os doces pra vender no tabuleiro", lembra. Hoje, dona Izaura é cliente do banco, está no fim do terceiro empréstimo e conseguiu sair de um tablado com potes de doces para uma pequena venda, com dois freezers, onde tem de tudo. Inclusive cocada.

A Rainha da Cocada, apelido pelo qual a doceira é conhecida na vizinhança do bairro Primavera, sintetiza o novo perfil de clientes que os bancos buscam para expandir o microcrédito: empreendedores da região Sudeste do país. Aumentar a rentabilidade da operação também é desejo dos bancos.

No Brasil, as iniciativas de microcrédito produtivo começaram a se disseminar há cerca de uma década, especialmente no meio rural e nas regiões mais pobres do Norte e Nordeste. Mas os valores aplicados ainda são incipientes: em abril, essas carteiras somavam R$ 1,1 bilhão, 45% mais do que o saldo de um ano antes, segundo os dados mais recentes do Banco Central.

Para que as operações ganhem escala, agora são as periferias dos Estados mais ricos, do Sul e Sudeste, que passaram a ser alvo dos programas desenvolvidos pelos bancos, que têm de aplicar 2% dos depósitos à vista no microcrédito ou recolher os recursos compulsoriamente no BC, sem remuneração. Com o avanço pelos centros urbanos, as instituições tentam, em alguma medida, repetir o sucesso do Crediamigo, do Banco do Nordeste, o maior programa de microcrédito do país.

Só que, para dar esse passo, o desafio é encontrar uma nova forma de abordagem. Isso porque no Norte e Nordeste as experiências mais bem sucedidas replicam o modelo internacional, com a figura do agente de crédito, que, atuando próximo às comunidades, estimula a formação de grupos de crédito solidário, de 3 a 30 pessoas. Os tomadores não só recebem os recursos conjuntamente, como também dão aval solidário à operação, uma espécie de garantia mútua. Mas as instituições enfrentam resistência para adotar esse esquema nos centros urbanos.

O Santander percebeu isso e vem fazendo adaptações. Na carteira, o banco tem cerca de 96 mil microempreendedores ativos, a maioria concentrada no Nordeste. Tradicionalmente, o banco requer a formação de um grupo de três ou mais pessoas para conceder uma linha de crédito. Já no Sudeste, houve relaxamento dessa exigência e o empréstimo pode ser feito para uma dupla.

"No Sudeste há uma lentidão na formação dos grupos", diz Jerônimo Ramos, superintendente de microcrédito do Santander. Mas se a quantidade de pessoas diminuiu, o rigor na análise da operação aumentou. Num grupo solidário, pode haver participantes com alguma restrição de crédito, mas na dupla, não.

O Banco do Brasil, depois de se firmar no financiamento a pequenos produtores rurais no Nordeste, instalou agências no Complexo do Alemão, no Rio, e em Paraisópolis, em São Paulo, como uma espécie de laboratório para ofertar microcrédito produtivo fora do meio rural. "O Sudeste tem uma imagem de desenvolvido, mas precisa de ajuda. É com essa demanda que queremos trabalhar", diz Dan Conrado, diretor do BB.

Para prospectar o microempreendedor, o banco tem se aproximado das associações ligadas às comunidades carentes e do Sebrae, a agência de apoio do empreendedor e pequeno empresário. Em Paraisópolis, zona Sul de São Paulo, o tradicional letreiro "Banco do Brasil" foi substituído por "Banco de Paraisópolis". A instituição faz barulho com um carro de som para atrair os pequenos empreendedores locais. No ano, até 22 de junho, o BB tinha direcionado R$ 69 milhões ao microcrédito produtivo, beneficiando 26,8 mil empreendedores.

O Itaú, que ainda não subiu no mapa e só atua no Sudeste, também encontrou dificuldade de formar grupos solidários na região. A estratégia, ao assumir as operações da antiga Microinvest, que veio no pacote da fusão com o Unibanco, foi abolir completamente a necessidade de um parceiro. "Nos centros urbanos, há uma maior dificuldade de formar laços. As pessoas mudam muito de residência e os vizinhos, às vezes, nem se conhecem", diz Carlos Ximenes, presidente do conselho de microcrédito da instituição.

Segundo Eduardo Ferreira, diretor de microcrédito do Itaú, a operação não é rentável e apenas se paga. Mas a meta é mais do que dobrar sua base de clientes ativos até o fim de 2011, chegando a 10 mil microempreendedores.

Para atingir esse objetivo, uma das armas do banco são parcerias com redes de varejo, como o Magazine Luiza. Ao mesmo tempo em que o Itaú financia os consumidores, há o compromisso do lojista de encaminhar para o banco empreendedores em potencial. O Santander tem, desde abril, uma parceria semelhante com a Natura, e toca um piloto no Rio de Janeiro, com intenção de expandir para o restante do país. Pelo acordo, o banco oferece crédito para pessoas que querem se tornar vendedoras da marca, mas têm nome sujo.