Título: Caderninho dá pista sobre bom pagador
Autor: Marques, Felipe
Fonte: Valor Econômico, 30/06/2011, Finanças, p. C8

De São Paulo

Uma brochura de arame. Essa é a primeira coisa que Marcelo Lacerda, supervisor de agentes de microcrédito do Itaú, procura na hora de conceder empréstimo. "Eu sempre vou atrás do caderninho", diz. "Quero ver se a pessoa controla o quanto vende e o quanto gasta com o negócio no mês. Eu sempre olho também o fiado."

Buscar os caderninhos que fazem as vezes de contabilidade dos clientes é apenas um dos critérios que os bancos precisam adotar na hora de conceder empréstimos para microempreendedores. Com a alta informalidade dos negócios, fica difícil usar as ferramentas tradicionais para medir o risco de inadimplência. Por isso, mais do que olhar apenas o faturamento mensal, a concessão de microcrédito depende de critérios inventivos.

"O agente de microcrédito precisa entender o cliente como pessoa, não apenas como representante do banco", diz Lacerda. Além de avaliar a contabilidade dos caderninhos e as notas fiscais dos fornecedores, outro expediente bastante utilizado é buscar opinião dos comerciantes vizinhos. "Nós sempre vamos ao sorveteiro e à pizzaria mais próxima perguntar se o cliente é bom pagador", diz.

As visitas constantes ao próprio estabelecimento também entram na rotina do agente de crédito. Esse profissional acompanha os clientes de perto, desde a prospecção, a aprovação do crédito, até a pontualidade dos pagamentos. "O objetivo é diferenciar os que querem dos que sabem empreender", diz Eduardo Ferreira, diretor de microcrédito do Itaú.

Diferentemente do que fazem com os financiamentos tradicionais, os bancos batem na porta do cliente que não paga um empréstimo quase que imediatamente após o atraso. "Às vezes, a gente cobra até na véspera. Dívida cobrada antes é paga primeiro", diz Lacerda. Com esse tipo de prática, a inadimplência após 60 dias se limita a 1%, abaixo dos atrasos observados nas carteiras tradicionais de financiamento ao consumo.

Paulo Laverde, gerente da agência do Banco do Brasil em Paraisópolis, diz que as operações de microcrédito exigem mais jogo de cintura. "Aqui em Paraisópolis, nós precisamos nos adaptar ao cliente". Entre as adaptações, ele cita justamente o contato mais pessoal com o tomador. "Faz parte do nosso processo de avaliação de crédito tomar um café com o cliente ou almoçar no restaurante dele", diz.

O restaurante em questão fica logo em frente à agência de Paraisópolis, num espaço que Joel dos Santos montou com empréstimo que fez no banco. Antes de pegar o crédito, no valor de R$ 5 mil, Joel já era dono de um boteco. Hoje, é a filha, Joélia, quem cozinha e administra o restaurante enquanto ele e o filho, Joelson, cuidam do bar.

Joel veio de Pernambuco e está há 16 anos em Paraisópolis. Trabalhava na construção civil antes de descobrir o tino para os negócios. O plano agora é tomar mais um empréstimo para comprar a casa de trás e expandir o restaurante. "Meu sonho é abrir uma pizzaria para minha filha cuidar. A menina tem jeito pra negócios", ele conta, todo orgulhoso.