Título: Brasil quer rever pauta comercial com a China
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 01/07/2011, Brasil, p. A4

Relações externas: Meta é evitar que desequilíbrios continuem prejudicando setores da indústria brasileira

De Genebra

O comércio bilateral com a China, que cresceu mais de 1.600% em dez anos, tem problemas que não podem ser ignorados, sinalizou o embaixador brasileiro junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo em evento comemorando os dez anos da entrada da China na entidade.

Azevedo listou preocupações que se refletem no debate interno sobre a China, sobretudo pelos setores mais diretamente afetados pela competitividade chinesa. Já o embaixador chinês na OMC, Yi Xaozhun,acenou com a duplicação das importações globais em cinco anos e com a multiplicação dos investimentos no exterior.

A inquietação brasileira é com a veloz taxa de crescimento das exportações chinesas, a penetração de seus produtos em segmentos tradicionalmente ocupados pela indústria nacional, concentração de exportações de commodities para a China e importações de produtos com valor agregado, além de investimentos chineses na agricultura e mineração no Brasil, com modelo de negócio orientado para a exportação para a China. A natureza legal das companhias chinesas que competem no mercado brasileiro também preocupa, já que são estatais e têm menores custos, o que é percebido como promoção de competição desleal.

Azevedo minimizou diplomaticamente as dificuldades. Segundo ele, quando há crescimento da magnitude da registrada no comércio bilateral - de US$ 3,3 bilhões para US$ 56,4 bilhões -, é natural que haja impacto em determinados setores e reclamações de lado a lado. Os chineses também reclamam das medidas antidumping sobre seus produtos.

O importante, na visão brasileira, é que os problemas não devem desencorajar, mas incentivar a busca mais rápida de soluções no comércio bilateral. Azevedo reiterou que o Brasil quer, junto com Pequim, encontrar maneiras de melhorar a composição da pauta de exportação para o mercado chinês, para evitar desequilíbrios e pressões em segmentos da indústria nacional.

A China é hoje o maior parceiro comercial do Brasil, representando 15,2% das exportações do país e 14,1% das importações. De janeiro a maio, o saldo a favor do país alcançou US$ 3,6 bilhões, numa alta de 93% em relação ao mesmo período do ano passado. O saldo comercial em todo o ano de 2010 atingiu US$ 5,2 bilhões.

Essa desempenho ocorre sobretudo pelos preços elevados para soja, minério de ferro e petróleo. Esses produtos representaram 86% das exportacoes totais brasileiras para a China nos cinco primeiros meses do ano. Já as importações brasileiras continuam carregadas de equipamentos industriais, incluindo reatores nucleares.

Para Azevedo, essa situação se explica, de um lado, pela enorme competitividade brasileira nas exportação de commodities, aliada com a crescente necessidade chinesa. E de outro, com a competitividade chinesa na área industrial apoiada em custo barato e pesado investimento em infraestrutura para exportação. Além disso, tem a apreciação do real em relação ao yuan e seu impacto negativo para a indústria brasileira.

No encontro, promovido com apoio da China, vários participantes previram crescente influência chinesa na OMC e aumento de disputas comerciais com Pequim. O analista americano Gary Hofbauer estima que medidas chinesas que poderão ser questionadas na OMC, como desoneração de impostos nas exportações, afetam volume de comércio de US$ 236 bilhões, comparado a apenas US$ 5,5 bilhões do fluxo comercial já contestado pelos EUA e outros parceiros.

Segundo o embaixador chinês, os investimentos diretos chineses no exterior deverão alcançar, até 2017, o mesmo volume dos investimentos que entram na China. Para se ter uma ideia, o estoque de investimentos externos no país atinge US$ 1 trilhão atualmente, enquanto o montante acumulado investido por Pequim em outros países está em US$ 300 bilhões.

Em dez anos, o PIB chinês cresceu 10,5%, em média, por ano, quase quadruplicando a economia de US$ 1,3 trilhão para US$ 4,98 trilhões, passando de sexta para segunda maior do mundo. A renda per capita subiu de US$ 800 para US$ 3.300.

Em 2010, a China se tornou o maior mercado para as exportações do Japão, Austrália, Brasil e Africa do Sul, o segundo para a União Europeia e o terceiro para os EUA. Atualmente, 34.700 empresas estrangeiras estão instaladas no país, gerando quase metade das exportações chinesas. "A China vai aumentar seu comércio com outros países em desenvolvimento, para construir uma rota da seda para o sul", disse o embaixador chinês.