Título: Ajuda do etanol à inflação já acabou
Autor: Martins, Arícia
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2011, Brasil, p. A4

Combustível: Redução na mistura álcool-gasolina deve ter impacto pequeno nos preços

De São Paulo A combinação de menor produção de etanol e aumento de 2,9 milhões de carros flex em circulação desde a última safra de cana de açúcar reduziu fortemente a ajuda que o recuo dos preços do etanol poderia dar à inflação nos próximos meses. Em 2011, ao contrário de outros anos, a deflação nos preços foi muito menor na pós-entressafra e o álcool já voltou a subir. O preço médio de junho ficou em R$ 1,937, o maior para este mês em dez anos na série da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Além disso, na semana que inclui os primeiros dias de julho, o preço médio no país voltou a subir e fechou em R$ 1,975, valor que representou 71,5% do preço da gasolina na mesma série da ANP.

O menor recuo no preço do combustível em relação à entressafra e a volta antecipada dos aumentos pode ser atenuada, mas não revertida pela decisão do governo de reduzir para 18% a participação do álcool anidro na gasolina, segundo especialistas. Para Fábio Silveira, economista-chefe da RC Consultores, o preço do álcool não deve voltar a cair este ano, e a medida do governo de reduzir a mistura do etanol anidro na gasolina é necessária. "Normalmente o período da queda do preço é logo no início da safra, ou seja, abril e maio. Ainda caía um pouco em junho e julho quando havia expansão da produção de cana. Neste ano, porém, o preço subiu no fim de junho, o que já é motivo para uma ação do governo", diz ele.

Principal responsável pelo recuo generalizado nos índices de inflação de junho, o álcool combustível abrandou seu ritmo de queda mais cedo do que o observado em safras anteriores, segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Apesar das deflações de 12,04% e 10,38% nos meses de maio e junho, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor calculado pela instituição (IPC-Fipe), o etanol hidratado ainda acumula elevação de 3,27% desde o primeiro mês do ano. Em 2010, o combustível, no mesmo período, acumulava retração de 19,1% no IPC da Fipe.Para os economistas consultados, a produção de etanol não está acompanhando o aumento da demanda com a popularização do carro flex fuel, que funciona com etanol ou gasolina e representa 49% da frota de comerciais leves, o que mantém o preço do combustível pressionado. Segundo relatório da União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), do início da safra até a primeira quinzena de junho, a produção de etanol atingiu 5,34 bilhões de litros, sendo 3,4 bilhões de litros de hidratado e 1,94 bilhão de litros de anidro, usado na mistura da gasolina - 25,4% menor que o produzido na mesma época da safra anterior.

O principal fator que está afetando o preço do combustível neste ano, mais do que a demanda firme por carros flex, é a oferta, acredita Renata Marconato, da MB Agro. "A produção está abaixo do esperado por problemas climáticos." Ela explica que a atual safra começou mais tarde, na metade de abril, prejudicada por problemas das safras anteriores. "A de 2010 teve muita seca e a do ano anterior, muita chuva." O excesso de chuvas neste ano também atrasou as colheitas da safra atual, afirma.

Segundo Julio Maria Borges, diretor da Job Economia e Planejamento, a safra 2011/2012 vai alcançar uma produção próxima a de 2010/2011. A previsão é que a produção de etanol atinja 26,9 bilhões de litros, ante 27,5 bilhões produzidos na safra passada. O abastecimento ficará pior e os preços aumentarão, sustenta o analista, já que, entre abril de 2010 e março deste ano, foram vendidos 2,9 milhões de unidades de carros flex, 200 mil a mais do que na safra 2009/2010. "Isso dá um adicional de consumo em torno de 5 bilhões de litros a mais", calcula.

Borges diz que novos investimentos estão programados para o setor ao longo do ano, mas o reflexo nos preços só virá em três anos. "No curto prazo, teremos que conviver com restrição de oferta, e o único atenuante que o governo pode adotar para melhorar essa condição é mesmo reduzir a mistura do anidro na gasolina."

A Medida Provisória 532, de abril, prevê, entre outras possibilidades, a redução da proporção de álcool anidro na gasolina - hoje entre 20% e 25% - para até 18 %, limite técnico que os motores fabricados no Brasil suportam. Conforme o Valor adiantou, a redução para 18% fo i decidida pela presidente Dilma Rousseff e deve ser formalizada na próxima semana.

Segundo Borges, da Job, a redução da mistura iria liberar 2,2 bilhões litros de etanol por safra, o que aliviaria a pressão sobre os preços do combustível, fazendo com que eles subissem menos. Para Silveira, da RC Consultores. o preço do álcool deve, na melhor das hipóteses, se estabilizar até outubro, quando chega a entressafra da cana. "Não vamos ter queda do preço. O objetivo da medida é impedir uma elevação maior", diz.

O preço da gasolina também não deve dar alívio à inflação. De acordo com Silveira, em julho a gasolina já deve subir. "O risco é que o preço do etanol suba muito e jogue a gasolina lá em cima", diz, justificando a decisão do governo. Ele lembra que a Petrobras regula o preço da gasolina. (Colaborou Samantha Maia, de São Paulo)