Título: Doença de Chávez muda tudo no jogo político venezuelano
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/07/2011, Opinião, p. A12

Durante 12 anos, o presidente Hugo Chávez governou a Venezuela combinando retórica incendiária (e quase interminável), hiperativismo e onipresença a serviço de sua "revolução bolivariana". Essas suas marcas registradas tornam agora mais estranho o presente e incerto o futuro quando Chávez se ausentou do poder por um mês, revelou que teve câncer e que luta pela vida. A surpresa da doença do presidente, desmentida por membros do próprio governo até que eles próprios fossem desmentidos por Chávez, deixou seus milhões de adeptos incrédulos e a nação em suspense. Ele voltou às pressas a seu país para evitar um perigoso vácuo de poder e, como sempre, tentou transformar uma situação desvantajosa em bravatas. O regresso ocorreu às vésperas do dia da declaração de independência da Venezuela. Com seu otimismo público incorrigível, Chávez disse, parafraseando Simón Bolívar, que "se a natureza se opõe a nós, lutaremos contra ela e faremos com que nos obedeça".

Chávez antepôs, como sempre fez, discursos aos fatos. Foi abundante em convocações ao povo, mas ninguém fora de um círculo estreitíssimo de pessoas próximas a ele sabe ao certo os detalhes do real perigo que sua saúde corre, como transcorreram e quais foram as intervenções cirúrgicas feitas em segredo em Cuba. Todo esse mistério esconde da nação se ele terá ou não condições de concorrer à reeleição ou mesmo se terá condições físicas de escolher, incensar e eleger um sucessor que dê continuidade a seu governo. Essas respostas simplesmente definem o futuro imediato da Venezuela - e ele não tem nada de brilhante.

É comum a caudilhos como Hugo Chávez ofuscar possíveis sucessores, algo que decorre tanto da necessidade política de encarnar o poder absoluto quanto da de não permitir que em seus próprios meios surjam políticos com força popular suficiente para terem vida própria e, eventualmente, opor-se ao líder supremo. A figura de Chávez aglutina o partido criado para lhe dar sustentação, o Partido Socialista Unificado da Venezuela, ao mesmo tempo que impõe paz a suas eventuais facções. Na perspectiva nada remota de Chávez ficar impossibilitado de continuar na vida pública, é uma tarefa muito difícil impedir a explosão de ambições internas para ocupar seu lugar.

Hugo Chávez, porém, sabe manobrar politicamente como ninguém e prepara uma reformulação ministerial que indicará como ele poderá tentar garantir da melhor forma possível sua sucessão ou, se for o caso, assegurar paz suficiente para que possa se recuperar do câncer e se preparar para mais uma disputa nas urnas. Há pelo menos quatro candidatos visíveis ao lugar de Chávez, a começar pelo vice-presidente Elías Jaua, um ex-líder estudantil e ardoroso chavista. O ex-sindicalista Nicolás Maduro, atual chanceler venezuelano, priva da intimidade de Chávez e foi várias vezes a Havana durante a operação para ocultar o estado de saúde do presidente e está no rol dos cotados. Igualmente possível é a escolha do ex-coronel e atual deputado Diosdado Cabello, que participou da frustrada tentativa de golpe de Chávez em 1992. Por último, há Adán Chávez, irmão do presidente e governador de Barinas.

Entre as especulações sobre a reformulação do gabinete chavista, há mais rumores do que certezas. Jaua deixaria a vice-presidência, o que abriria caminho para que a escolha de Chávez sobre seu sucessor predileto fique clara. Em uma situação política que sempre foi tensa e agora é de extrema delicadeza, há grandes chances de que Chávez coloque um fiel seguidor no comando do Exército. Não há indicação clara da força política dos possíveis candidatos junto a Chávez, com exceção de um: seu irmão Adán. A identificação familiar casaria bem com o messianismo narcisista de Chávez.

A súbita ausência de Chávez deixou a oposição atônita. Formada por mais de uma dezena de partidos, ela faz seu primeiro esforço sério em muito tempo para apresentar uma candidatura única contra Chávez nas eleições de 2012. Mas a possibilidade de não ter Chávez como opositor pode não ser exatamente uma bênção. A perspectiva de vitória aumentaria e isso pode ter um efeito desagregador na frente unida, estimulando os nomes mais populares a se lançar isoladamente.

Seja como for, a Venezuela, com uma economia às voltas com escassez de produtos, apagões e inflação alta, vive agora um novo tempo político. Se Chávez não se recuperar rapidamente da doença, tudo será possível.