Título: A indústria perde competitividade
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 08/07/2011, Brasil, p. A2

A perda de competitividade da indústria brasileira de manufaturados assusta. A valorização exagerada do câmbio tornou mais dramáticos os problemas estruturais que atrapalham a vida do setor privado, como a carga tributária elevada, a infraestrutura precária e o alto custo de insumos importantes, como energia elétrica. Para complicar, falta mão de obra qualificada e os salários têm crescido acima da produtividade, num momento de forte aquecimento do mercado de trabalho.

A dificuldade de competir fica evidente quando se nota que, em maio, a produção da indústria de transformação se encontrava praticamente no mesmo nível de setembro de 2008, apesar de o consumo ter crescido com força no período - as importações atenderam boa parte dessa demanda. As exportações de manufaturados também vão mal. Entre 2005 e 2010, o volume das vendas desses produtos encolheu 15,8%, segundo a Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).

Medida tradicional para avaliar o impacto dos custos do trabalho sobre a competitividade das exportações, o índice câmbio efetivo/salário recuou 50% entre 2000 e 2010. Quanto mais baixo o indicador, maior a dificuldade para competir. O grosso do movimento se deveu ao fortalecimento do real, mas cerca de um terço se deveu ao aumento dos salários na indústria, segundo o economista Jorge Arbache, assessor da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Produção de manufaturados está cada vez mais cara

Ele também destaca a evolução do custo médio em dólar da hora trabalhada no Brasil e em outros emergentes. De 2002 a 2008 (dado mais recente do Departamento de Trabalho dos EUA), esse custo subiu de US$ 3,10 para US$ 8,50, uma alta de 174% num curto espaço de tempo. Na China, o indicador em 2008 estava em US$ 1,40. "E o custo brasileiro praticamente já equivalia ao da Polônia [US$ 9,40] e ao de Taiwan [US$ 8,70], países com níveis de escolaridade muito superiores à nossa", nota Arbache, no estudo "A transformação demográfica já está afetando a competitividade internacional da economia brasileira?".

As reclamações da indústria quanto à excessiva valorização do câmbio, que de tão frequentes chegam a soar folclóricas, parecem hoje justificadas. Calculado com base numa cesta de 13 moedas, ponderadas pelo peso no comércio exterior do país, o índice da taxa de câmbio efetiva real da Funcex mostra que a moeda está no nível mais valorizado desde o começo da série, em 1985. Já o banco de investimentos Goldman Sachs, não exatamente um bastião do desenvolvimentismo, estima que a taxa de equilíbrio nominal em relação ao dólar está na casa de R$ 2,70, num modelo que leva em conta os termos de troca (relação entre preços de exportação e importação), diferenciais de ganhos de produtividade e a diferença entre a inflação interna e externa. Ontem, o dólar fechou em R$ 1,558.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, diz que o câmbio valorizado escancara problemas como a carga tributária e a infraestrutura. A queda do dólar, segundo ele, evidencia os problemas estruturais da economia brasileira, como um custo anual de logística para as empresas equivalente a 20% do PIB, mais que os 13,9% de Cingapura ou os 13% de Taiwan. O custo da energia elétrica, por sua vez, está na casa de US$ 60 por megawatt/hora, o dobro da média internacional, apontam números da MB.

Graças à combinação desses fatores, o Brasil consegue a proeza de produzir alguns dos veículos mais caros do planeta, como mostrou reportagem de Marli Olmos, publicada no Valor em maio. Segundo ela, "o preço do modelo Logan [da Renault ] é o mais alto do mundo", superando os produzidos na Argentina, Colômbia, Chile, França e Rússia.

Visto de hoje, o problema de competitividade da indústria está longe de uma solução. Uma mudança significativa no nível do câmbio parece improvável. As medidas de controle de capitais, ainda que bem vindas num momento em que o Brasil recebe uma enxurrada de capitais estrangeiros, têm no máximo evitado uma valorização mais forte do real. E, com a inflação ainda pressionada, uma desvalorização expressiva do câmbio tampouco é desejável. Uma redução mais significativa dos juros também está distante. Com isso, deve seguir elevado o diferencial entre as taxas internas e externas, um poderoso ímã de recursos externos para o país.

Na série de artigos escritos recentemente para o Valor por 11 economistas sobre juros, câmbio e inflação, André Lara Resende escreveu ter "consciência de quão anticlimático é concluir que para baixar a taxa de juros é preciso reduzir a despesa e a dívida pública". Embora não o único, esse também parece um dos caminhos mais promissores para melhorar a competitividade da indústria, o que pode soar igualmente anticlimático.

Além de abrir espaço para juros menores, o que contribuiria para aliviar a pressão sobre o câmbio, a contenção dos gastos correntes do governo permitiria alguma redução da carga tributária e o aumento dos investimentos públicos. É uma trilha talvez aborrecida, mas que levaria a algum alívio do peso dos impostos sobre a indústria e a uma melhora da situação da infraestrutura.

Sergio Lamucci é repórter de Brasil. Excepcionalmente deixamos de publicar a coluna da titular Claudia Safatle