Título: Governo precisa erradicar a corrupção nos Transportes
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Fonte: Valor Econômico, 11/07/2011, Opinião, p. A10

Há muito que o financiamento público de campanhas tem sido colocado como a regra número 1 de uma eventual reforma política. A cada denúncia de corrupção no governo, o tema volta à cena como se todos os desvios de conduta cometidos por ministros ou altos funcionários da administração pública fossem em nome da formação de "caixa 2" para as eleições.

O uso do dinheiro público para fins eleitorais é prática disseminada nos partidos, apesar de os contribuintes ainda não terem sido avisados disso e os expedientes serem totalmente fora da lei.

São imensuráveis os danos causados pelo avanço de grupos partidários em setores nobres da administração pública. A grande maioria dos bancos estaduais quebrou não só por funcionarem como verdadeiros emissores de moeda para os governos dos Estados, mas por gestão temerária.

Emprestavam a políticos e empresários que não pagavam suas dívidas, não raro confundidas com investimentos em candidaturas de aliados do poder central. Os resultados foram mais que desastrosos: dos mais de 30 bancos, sobraram cinco. Os demais foram privatizados, deixando na conta da União um rombo superior a R$ 100 bilhões.

O setor elétrico e as obras de infraestrutura de transportes também foram vitimados pela sede de recursos partidários, numa associação entre políticos, empreiteiras e intermediários de toda fé.

Escândalos envolvendo as áreas da Saúde (sobretudo a Funasa) e dos Transportes (Dnit) são recorrentes. A descoberta dos desvios de dinheiro e outras falcatruas raramente produzem alguma consequência. Chega a ser enfadonha a sequência de operações do Ministério Público e da Polícia Federal. Só em novembro de 2010 as operações conhecidas como Via Ápia e Mão Dupla prenderam duas quadrilhas por crimes de corrupção, peculato e fraude em licitação, em um esquema montado por funcionários do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte e empresas contratadas para obras rodoviárias no Nordeste do país.

Há os delitos decorrentes dos financiamentos às candidaturas, mas há também os praticados em nome do enriquecimento pessoal. Desde que o crime de formação de "caixa 2" para fins eleitorais foi absolvido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no auge do escândalo do mensalão, em 2005, não se sabe onde começa um e onde termina o outro.

Na semana passada mais um escândalo derrubou o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, presidente de honra do Partido da República (PR), quatro de seus auxiliares e o diretor do Dnit, Luiz Antônio Pagot. A denúncia é de que operavam um esquema pelo qual 4% do valor das obras pagas pelo Ministério dos Transportes seriam desviados para os cofres do PR.

Recentemente uma comissão do Senado levantou a execução do orçamento de 250 grandes obras realizadas no país e descobriu que todas foram concluídas com um aumento de preço de pelo menos 45% em relação ao orçamento original. Reajustes de preços foram concedidos sob a justificativa de que os projetos originais eram de péssima qualidade, mas também uma porta escancarada para a corrupção.

Não basta, porém, a presidente Dilma Rousseff demitir, a bem da decência, a cúpula do PR instalada no Ministério dos Transportes e devolver a pasta para o Partido da República. Fica o dito pelo não dito. A presidente da República tem em mãos uma rara oportunidade de ao menos iniciar a faxina numa das áreas mais problemáticas da República, e não só neste governo.

Será difícil, para a opinião pública, entender por que a presidente mantém na cúpula do ministério o mesmo grupo afastado agora, o que ocorrerá no caso de o senador Blairo Maggi (MT) aceitar chefiar os Transportes. Apesar de disputar o controle político do PR com o ex-ministro Alfredo Nascimento, o empresário Blairo Maggi é o padrinho político de Luiz Pagot, agora afastado da direção-geral do Dnit.

Para enfrentar a cultura da corrupção é preciso ir muito além da imediata demissão. A faxina deve compreender a investigação dos delitos e a punição dos culpados, tempestivamente e sem hesitações. Sem o que o crime sempre compensará, como mostra a história recente do país.