Título: China cobra do Brasil reconhecimento como economia de mercado
Autor: Olmos, Marli
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2011, Brasil, p. A3
Relações externas: Diplomata chinês também faz duras críticas às medidas antidumping da Argentina
O diretor do departamento da América Latina do Ministério das Relações Exteriores da China, Yang Wanming, cobrou, esta semana, o cumprimento das promessas que Brasil e Argentina fizeram, durante os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, de reconhecer o país asiático como uma economia de mercado. "As palavras de Lula em 2004 se transformaram em letras mortas", disse.O diplomata também fez dura crítica às regras antidumping adotadas especialmente pela Argentina. As queixas em relação aos dois maiores países do Mercosul alteraram o tom de uma entrevista do diplomata chinês a jornalistas latino-americanos, em Pequim, no fim da tarde de segunda-feira. Realizada no suntuoso edifício do Ministério das Relações Exteriores, no bairro de Chaoyang, o mesmo que abrigou a Olimpíada de 2008, a entrevista, em princípio, não poderia se estender além de 40 minutos em razão de outros compromissos, avisou Wanming. O diplomata anotou uma pergunta de cada um dos 16 jornalistas presentes, que representavam o mesmo número de nações. Avisou que daria as respostas de uma só vez.
O método de acumular questões que misturaram temas de política, economia e relações diplomáticas parecia fadado à confusão, principalmente tratando-se de alguém que inicialmente se mostrava pouco familiarizado com o espanhol, idioma utilizado na tradução. A ordem das respostas não seguiu a das perguntas, mas sim a lógica do entrevistado, com clara prioridade às questões econômicas.
Wanming tratou de falar logo sobre a existência de "problemas comerciais entre China e Argentina". Mencionou a insatisfação em relação ao óleo de soja argentino, cujo grau de qualidade, segundo ele, teria, em 2010, ficado abaixo dos índices fixados pelo país asiático. Disse, em seguida, que o Brasil "não poderia faltar" nessa discussão. "Esperamos que esses países cumpram com suas palavras; estamos abertos para negociar".
Iniciada há quase sete anos, a discussão sobre o reconhecimento da China como economia de mercado reaparece sempre que a oportunidade aparece. Dessa vez, o diretor do Ministério das Relações Exteriores encarregado da América Latina e também Caribe aproveitou um raro contato com a imprensa de toda a região para, inclusive, comparar condutas entre países. Durante a entrevista, o Chile foi o mais elogiado.
Quando lhe pediram detalhes da queixa contra as regras argentinas antidumping, Wanming tinha um exemplo na ponta da língua: "A Argentina deveria tomar como referência preços de mercado local e não comparar produtos italianos com chineses".
O impasse surge à medida que Brasil e Argentina encontram dificuldades para mudar regras antidumping contra produtos chineses. O reconhecimento do paceiro comercial como economia de mercado implicaria a adoção de critérios da Organização Mundial do Comércio (OMC), mais rígidos.
O compromisso brasileiro de reconhecer a China como economia de mercado foi assumido com o presidente Hu Jintao durante sua primeira visita oficial ao Brasil, em novembro de 2004. O recuo, posteriormente, reforçava o receio de apoiar uma nação que, já dona de uma indústria de produtos acabados altamente competitiva, ainda manteve a moeda desvalorizada.
Na época do compromisso com Jintao, em 2004, o governo brasileiro exigiu, como contrapartida, a abertura do mercado chinês para as carnes brasileiras. As queixas dos frigoríficos brasileiros pela demora na liberação da fronteira chinesa à carne suína foram incluídas no pacote de assuntos a serem tratados pela presidente Dilma Rousseff em sua visita à China, em abril.
Wanming disse que, apesar de não dominar os detalhes técnicos, o Brasil está liberado para exportar carne suína. O diplomata ressaltou que as restrições impostas até aqui à carne suína não diziam respeito à questão comercial, mas sim à "qualidade".
Também não escapa aos chineses, pelo menos no que diz respeito ao tratamento diplomático da questão, a insatisfação do Brasil em relação à composição do comércio entre os dois países. Wanming disse apenas que reconhece a necessidade de elevar a participação dos produtos de maior valor agregado nas exportações do Brasil para a China, que se tornou seu maior parceiro comercial, com 15,2% das exportações brasileiras em 2010, segundo o Ministério do Desenvolvimento. Soja, minério de ferro e petróleo concentraram os embarques brasileiros para o país asiático, que totalizaram US$ 30,8 bilhões em 2010.
Para o lado brasileiro, o excesso de dependência na exportação de commodities agrícolas e minerais pode deixar o país mais vulnerável. Antes que alguém apontasse essa preocupação, Wanming lembrou que ambas as partes se beneficiaram. "Graças a isso, ambas atingiram crescimento econômico", disse.
O comércio da China com toda a América Latina, que alcançou US$ 180 bilhões em 2010, passará dos US$ 100 bilhões somente no primeiro semestre de 2011 e poderá facilmente chegar aos US$ 200 bilhões em todo o ano, segundo o diplomata. A soma não passou de US$ 40 milhões em 2004.
A balança está equilibrada na região, mas a China mantém déficit com Brasil, Argentina e Chile. Isoladamente, a balança brasileira alcançou superávit de US$ 5,2 bilhões em 2010, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento. "Quero enfatizar que o mercado chinês está aberto e o governo não tem como meta o superávit", disse o diretor para a América Latina.
O método de responder a todas as perguntas de uma única vez mostrou-se eficaz. Wanming não deixou escapar nenhuma questão. Já em relação ao tempo, a disciplina não foi igual. Menos preocupado com os compromissos que viriam, o entrevistado abriu espaço para perguntas adicionais e, ao final, surpreendeu os que ainda tentavam esticar a conversa ao se expressar num espanhol fluente.
Como ele mesmo dissera no início da conversa, poucos latino-americanos têm a chance de conhecer a China. Pelo que ele indicou, valeu então, a pena, aproveitar interlocutores ao seu alcance. Mas, mais do que promover a imagem do pais, a ideia de reunir a imprensa latino-americana indica o interesse em ampliar os canais de comunicação com nações que podem ajudar os chineses a incrementar o gigantismo econômico de seu país.