Título: Incerteza é tamanha que até o Fed está perdido
Autor: Campos, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2011, Finanças, p. C2
Mais um dia no qual não falaram notícias ruins. Por isso, não se estranha a grande variação no preço dos ativos ao longo da terça-feira.
A maior fonte de instabilidade continua sendo a Europa. O foco que estava na Itália, deve mudar, agora, para a Irlanda, depois que o país foi rebaixado para grau especulativos pela agência de classificação de risco de Moody"s.
Ainda na zona do euro, parece crescer a ideia de que a Grécia não conseguirá escapar de um calote da dívida. Por ora, se trata do assunto como um "default seletivo", seja lá o que isso for.
O euro capta essa incerteza e voltou a valer menos de US$ 1,40.
Salvo algum novo rebaixamento de nota, o próximo desdobramento dessa história é o teste de estresse dos bancos europeus. O resultado está previsto para a sexta-feira. Já tentaram abafar a divulgação, apontando que isso poderia somar mais instabilidade aos mercados. E também se fala que os governos já estariam prontos a ajudar as instituições que não passarem no testes.
Ilustrando bem como o grau de incerteza que rege o mercado é sem igual, nem o Federal Reserve (Fed), banco central americano, sabe o que fazer.
Apesar de um corpo técnico excepcional e mentes premiadas no seu comando, a ata apresentada, ontem, mostra um colegiado em cima do muro.
Parte do Fed avalia que novas medidas de estímulo podem ser necessárias se o crescimento não ganhar tração suficiente, principalmente para reduzir o nível do desemprego.
Outro grupo aponta o aumento nos riscos inflacionários como uma indicação de que as condições econômicas podem evoluir de forma a levar o Fed a retirar as medidas de estímulo antes do previsto.
A primeira reação ao documento foi positiva, afinal, parte do Fed falou em novos estímulos. Mas o tom positivo não durou muito e o humor virou de vez após o rebaixamento da Irlanda para "junk bond".
Mas mesmo que mais ajuda seja dada nos EUA (fica a dúvida sobre como isso seria feito), os resultados podem se mostrar pouco duradouros.
Qualquer aumento de liquidez tira força do dólar e impulsiona as commodities (já vimos esse filme antes). Só que a alta das matérias-primas, particularmente o petróleo, consome renda disponível do americano. Com isso, o consumo cai e a retomada perde força. Sem falar que as commodities mais caras poderiam garantir ciclos ainda mais longos de aperto monetário em mercados emergentes, única fonte de demanda na conjuntura atual.
No mercado local, essa agenda toda fez preço, principalmente na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que perdeu os 60 mil pontos pela primeira vez desde maio do ano passado.
No câmbio, as cotações oscilaram bastante, mas os preços fecharam o dia sem mudanças relevantes. O dólar comercial cedeu 0,12%, para R$ 1,580 na venda. Mas a moeda para agosto subia 0,18%, a R$ 1,5865, antes do ajuste final.
Não bastasse a instabilidade externa e a nova circular do Banco Central (BC) que ainda está sendo digerida, ontem, as famigeradas "fontes de governo" voltaram ao noticiário, falando sobre a possibilidade de novas medidas na área cambial.
Essas fontes reforçaram postura já externada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, na semana passada, pois falaram em alterações no mercado de derivativos.
Assim que as manchetes piscaram, pouco antes das 16 horas, o dólar futuro teve firme repique de alta. De fato, o período foi um dos mais movimentados do dia.
Nas mesas, a reação de sempre: "o que esses caras querem com esse tipo de notícia?", questionou um operador. Outro agente acrescentou: "para quê criar esse tipo de ruído no meio do pregão?"
Um terceiro agente acredita que qualquer medida que seja tomada visa, apenas, elevar a arrecadação do governo, pois de efetivo nada pode ser efeito enquanto o Brasil ostentar a maior taxa de juros do mundo.
Por mais dificuldades que se criem, o mercado sempre acabará encontrando uma forma de ganhar esse "dinheiro fácil".
No mercado de juros futuros, os contratos não sofreram grande alteração. A curva segue acenando com duas altas de 0,25 ponto percentual na Selic, que atualmente vale 12,25% ao ano.
Um operador baseado em Nova York, no entanto, chama atenção para o fato de o mercado local se mostrar muito à parte dos acontecimentos externos.
Para esse especialista, atribuir probabilidade zero a um de calote na zona do euro, ou outro evento do gênero, é sinal claro desse "isolamento" dos operadores brasileiros.
Por isso, caso a crise na Europa se agrave, não será estranho ver uma queda de 0,50 ponto base nos juros futuros.
Eduardo Campos é repórter