Título: Casino considera proposta de Diniz uma
Autor: Góes, Francisco; Rosa, Rafael
Fonte: Valor Econômico, 06/07/2011, EU& S.A., p. D5

Francisco Góes e Rafael Rosa | Do RioJean-Charles Naouri, presidente do Casino: "Fiquei surpreso pela dissimulação que Diniz mostrou nos últimos meses

O Casino considera uma "expropriação" a proposta de fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour Brasil apresentada pelo empresário Abilio Diniz. "Nesse negócio, não podemos inverter os papéis entre o agressor e o agredido. Somos as vítimas, não fizemos nada", afirmou ontem ao Valor o presidente do Casino, Jean-Charles Naouri.

Em entrevista de cerca de 30 minutos no hotel Copacabana Palace, na zona Sul do Rio, Naouri mostrou aparente tranquilidade, apesar de estar sob pressão desde que Diniz, seu sócio na holding Wilkes, controladora do grupo varejista brasileiro, apresentou oferta de união com o Carrefour.

O executivo francês criticou a proposta, que considerou um erro estratégico por aumentar a participação dos hipermercados no mix da rede de lojas, o que na visão dele vai na contramão da tendência do mercado, que é apostar em unidades menores. Naouri também considera que a associação vai trazer uma "má internacionalização", uma vez que vai concentrar o crescimento na Europa, continente que ainda não se recuperou totalmente da crise econômica de 2008.

Ele não quis dizer se ainda vê condições para continuar sendo sócio de Diniz: "Fiquei surpreso e desapontado pela dissimulação que ele mostrou no decorrer dos últimos meses".

Valor: O senhor manifestou na segunda-feira, em reunião com o BNDES, o desejo claro de exercer o controle do Pão de Açúcar previsto em contrato. Há espaço para antecipar o controle? O seu sócio já sugeriu que antecipar o controle seria uma intenção do Casino.

Jean-Charles Naouri: Em francês, se diz que essa é uma ideia maluca. O contrato não prevê isso. Essa ideia não tem fundamento.

Valor: Há uma decisão tomada pelo Casino de recusar a proposta feita por Diniz? Existe espaço, dentro do acordo de Wilkes, para modificar a proposta, abrindo possibilidade para uma oferta em novos termos?

Naouri: Vim ao Brasil para encontrar o presidente do BNDES, para lhe dizer que o compromisso do Casino é com o Brasil e também com a GPA [Grupo Pão de Açúcar]. Eu lembrei que havíamos investido, desde 1999, mais de US$ 2 bilhões. Investimos essa quantia porque estávamos convencidos de que o Brasil era um Estado de direito, onde os contratos eram respeitados. O segundo investimento que fizemos, em 2005, de US$ 800 milhões, foi feito em grande parte baseado na Carta ao Povo Brasileiro, do presidente [Luiz Inácio Lula da Silva], que falava no respeito aos contratos, que isso era uma pedra fundamental no Brasil. Foram essas mensagens que transmiti ao presidente do BNDES. Disse que a proposta de Abilio Diniz equivalia a uma expropriação, pela diluição que ele impôs ao Casino. Volto a dizer que não é aceitável.

Valor: Por quê?

Naouri: Sobre a substância da proposta, o Casino vai se pronunciar de maneira formal quando tiver a reunião na Wilkes. Mas desde agora o projeto me parece fundado sobre uma visão estratégica errada, pois há duas falhas estratégicas. A primeira é o fato de que uma fusão da GPA com o Carrefour no Brasil aumenta a parte dos hipermercados no mix das lojas, quando todo mundo sabe que os hipermercados são um formato que está declinando e que o formato do futuro são as pequenas lojas. Esse foi exatamente o erro que o Carrefour fez em 2000, quando a empresa, número um do mercado, também fez uma fusão com o número dois da França, a Promodes. Basicamente o projeto era fundado sobre números mirabolantes de sinergia, que se revelaram totalmente falsos. E o Carrefour de hoje em dia, o que não é um segredo para ninguém, está em uma situação difícil. Essa dificuldade provém de o Carrefour ser demasiadamente grande em hipermercados e muito pequeno para os pequenos formatos. Essa estratégia é contrária à do Casino, o que explica o nosso sucesso relativo. Com essa proposta da fusão, vai surgir uma empresa maior, mas de crescimento orgânico menor. O mercado vai levar isso em conta, todo mundo sabe que a relação preço/lucro, a valorização da nova empresa, vai ser penalizada. O segundo erro estratégico é o investimento no Carrefour, que é muito grande na Europa continental, onde o crescimento econômico é fraco ou negativo. É uma internacionalização, mas é a má internacionalização. Se tiver que haver uma internacionalização, tem que ser sobre países de vasto crescimento, que são os países emergentes. Hoje em dia, na distribuição alimentar, as grandes escolhas, não podemos nos enganar, são os pequenos formatos mais que os hipermercados e os países de forte crescimento mais que os países de lento crescimento. O projeto que foi proposto faz uma má escolha nos dois aspectos.

Valor: O Casino poderia combinar sua operação à do Carrefour em outros termos?

Naouri: É uma hipótese sem fundamento.

Valor: Como o senhor vê a argumentação do seu sócio Abilio Diniz de que o Casino só pensa no controle?

Naouri: Já respondi isso de maneira detalhada e estrategicamente. Posso até ser mais detalhado sobre isso. Independentemente do Casino, a proposta está baseada em premissas falsas, onde aumenta o peso dos hipermercados e acrescenta o peso dos países da Europa sobre o mix. É uma engenharia sem visão estratégica.

Valor: O acordo de acionistas na Wilkes permite que os sócios prospectem novos negócios? Caso não exista nenhuma cláusula que impeça isso, em que se baseia a argumentação de violação, de quebra do acordo de acionistas?

Naouri: A arbitragem que lançamos está baseada principalmente no artigo 2.1.1 do acordo de acionistas. O artigo diz que os acionistas não podem tomar ações que resultem na Wilkes perdendo o controle da GPA. O artigo é extremamente claro. O segundo ponto é que no Código Civil brasileiro há a necessidade de agir de boa-fé, o que foi violado por negociações unilaterais, sem autorização da holding. Foram negociações secretas e não houve resposta as nossas muitas perguntas quando elas foram formuladas, oralmente ou por escrito. Em abril, quando vi o senhor Diniz pela última vez, fiquei surpreso pela sua presença em Paris. Eu perguntei a ele se estava havendo negociações, conversas e com quem. Ele respondeu que não tinha nada a me dizer. Então, depois de numerosas discussões entre assessores, tanto antes quanto depois de 22 de maio [data em que o "Journal du Dimanche" publicou que o Carrefour estudava a fusão de sua operação brasileira com o Pão de Açúcar], os conselheiros e o senhor Diniz responderam de maneira repetitiva que não estavam autorizados a falar.

Valor: Foi por essa razão que o senhor não recebeu Abilio Diniz na semana passada quando ele esteve em Paris? Diniz já havia manifestado interesse em modificar os termos do acordo de acionistas assinado em 2006?

Naouri: Eu vi o senhor Diniz muitas vezes no passado, inclusive no começo de 2011. O senhor Diniz e eu tínhamos concordado, no domingo, 26 de junho, de nos encontrarmos no dia 4 de julho. O senhor Diniz me disse que estava muito cansado e estressado e que não estava disponível para me ver antes de 4 de julho. Quando soube que ele estava em Paris na segunda-feira, 27 de junho, fiquei surpreso. Ele me ligou dizendo que estava em Paris e que tinha viajado por ocasião [da reunião] do conselho do Carrefour, que deveria aceitar a proposta. E ele me ligou de forma urgente nessa ocasião para me ver às 7 horas do dia seguinte. Eu considerei que essa maneira de proceder era uma manipulação porque ele havia dito que não estava disponível para me ver antes. Eu nem mesmo tinha conhecimento do documento [com a proposta de fusão], somente pela imprensa. Eu recusei a reunião. Considero que o [o local] normal [de discussão] é o conselho da Wilkes, com base em informações completas e não truncadas. Então, poderemos discutir sem espaço para manipulação.

Valor: O Casino aceitaria diluir sua participação no controle majoritário desde que ficasse garantido que teria a possibilidade de participar da gestão do negócio?

Naouri: Não vamos responder a todas as hipóteses que são lançadas como balão de ensaio pela parte contrária. A nossa linha é governada por dois princípios: o respeito aos contratos e à lei e a definição do melhor plano estratégico no interesse do GPA e dos "stakeholders" [acionistas, fornecedores, clientes e empregados].

Valor: Na segunda-feira foi marcada a reunião do conselho de administração da Wilkes para 2 de agosto. Tudo indica que ambos os lados se preparam para uma continuação da disputa. Como a arbitragem pode demorar um ano ou mais, quais os efeitos do contencioso para o GPA?

Naouri: É uma excelente pergunta porque o mais importante é o desenvolvimento do Pão de Açúcar. Mas nesse negócio não podemos inverter os papéis entre o agressor e o agredido. Nós somos as vítimas, não fizemos nada. O senhor Diniz preparou por longos meses, talvez por anos, um plano visando à nossa expropriação, o que descobrimos em 22 de maio e com mais precisão em 28 de junho. Agimos na defesa de nossos direitos e chamamos a atenção para a tentativa de inverter os papéis entre o agressor e a vítima.

Valor: No início desta entrevista, o senhor disse que, quando Casino decidiu investir no país, o Brasil respeitava contratos. Essa situação mudou? O senhor teme pela segurança jurídica dos investimentos feitos pelo Casino no mercado brasileiro?

Naouri: Nós continuamos confiando no Brasil, ainda esse Brasil marcado pela carta do presidente Lula ao povo brasileiro, sempre colocando à frente o respeito pelos contratos, como elemento essencial do Brasil moderno. É esse Brasil que nós amamos, confiamos e acreditamos. E essa é a razão pela qual nos últimos 15 dias investimos US$ 1,2 bilhão em ações da CBD [Companhia Brasileira de Distribuição, nome Pão de Açúcar na bolsa].

Valor: Na segunda-feira, os minoritários do Carrefour criticaram a falta de dados em relação à proposta do Pão de Açúcar. Como o senhor vê essa questão?

Naouri: Ficaram [os minoritários] surpresos com essa informação dada pelo Carrefour, que tem muitas lacunas. Eu posso somente colocar perguntas: há algum elemento oculto? Se a informação é tão pouco transparente sobre um acordo com a evidência [de uma empresa como] Carrefour, como se explica que essa informação seja dada em conta-gotas?

Valor: Após todo esse contencioso o senhor acredita que ainda existem condições para o Casino continuar sócio de Abilio Diniz?

Naouri: O senhor Diniz foi durante 11 anos um parceiro de qualidade, um gestor competente e um empresário muito apreciado. E posso dizer como amigo também. Fiquei surpreso e desapontado pela dissimulação que ele mostrou no decorrer dos últimos meses, visando a construir um projeto para a expropriação do Casino.