Título: Buraco de US$ 28 bilhões
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2010, Economia, p. 16

contas externas

Deficit das operações realizadas pelo país com o exterior triplica de janeiro a julho. Mês passado tem pior resultado desde 1947. Gastos com embaixadas ajudam rombo

O que estava ruim ficou pior. O deficit de transações correntes que engloba todas as operações de bens e serviços do Brasil com o exterior registrado em julho é o pior da série, desde 1947, para o mês e também para o acumulado do ano. Segundo o Banco Central, o resultado foi negativo em US$ 4,5 bilhões no mês passado, contra US$ 1,6 bilhão apurados a um ano atrás. Nos primeiros sete meses do ano, o rombo fica ainda mais evidente: atingiu US$ 28,2 bilhões, três vezes pior que o do mesmo período de 2009 quando ficou negativo em US$ 8,8 bilhões e ainda maior que o saldo negativo de todo o ano passado, quando a conta, no vermelho, fechou em US$ 24,3 bilhões.

A deterioração das contas externas surpreendeu até mesmo o Banco Central, que projetava um deficit em transações correntes de US$ 3,7 bilhões para o mês de julho. O chefe do departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, disse que o resultado ruim é consequência de um desempenho mais fraco da balança comercial as importações cresceram muito no período, ao passo que as exportações caminham em ritmo lento , além de um forte avanço das despesas com serviços, sobretudo dos gastos em viagens internacionais. A balança comercial foi responsável por US$ 7,6 bilhões.

A maior parcela do crescimento do deficit, destacou Altamir, foi na conta serviços e rendas, que registra o pagamento de juros e as remessas de lucros e dividendos das empresas. De um ano para outro, a quantidade de dólares que saiu por essa conta aumentou em US$ 4,6 bilhões. Mas é nos serviços onde se concentra a piora das contas externas. Foram US$ 7 bilhões a mais de despesa com transporte, viagens, seguros, computação e informações, aluguel de equipamentos e serviços governamentais. As viagens internacionais têm maior peso. Elas incrementaram a conta em mais de US$ 2,7 bilhões.

Gastança O governo também vem contribuindo para aumentar o rombo. A despesa com serviços governamentais, que incluem a abertura de novas embaixadas e consulados no exterior, dobrou de US$ 754 milhões para US$ 1,4 bilhão na comparação dos sete primeiros meses do ano. Enquanto o buraco nas contas externas aumenta, o ingresso de investimentos estrangeiros diretos (IED) que ajudaria a diminuí-lo vem se mostrando aquém do esperado. Em julho, até superou a expectativa de US$ 2 bilhões, chegando a US$ 2,6 bilhões. Mas, no ano, deixa a desejar: o volume está em US$ 14,7 bilhões, o que significa que vai ter que acelerar muito para alcançar os US$ 38 bilhões estimados pelo BC.

Agosto Prevíamos uma aceleração do ingresso de investimentos diretos para o segundo semestre, principalmente por conta do pré-sal, o que ainda não aconteceu, admitiu Altamir. Mesmo faltando investimentos diretos para fechar as contas, o técnico disse que não existe risco de financiamento. O IED não vai cobrir a totalidade do deficit em transações correntes que, em parte, vai ser financiado com empréstimos de médio e longo prazo, avaliou. Para agosto, a estimativa de defasagem é de US$ 2,5 bilhões e a de investimentos diretos, de US$ 2,2 bilhões.

E eu com isso

A fragilidade nas contas externas brasileiras representa um risco para toda a economia, e para o cidadão, à medida que o país, sem recursos internos suficientes para bancar seu crescimento, torna-se dependente do capital estrangeiro. Quando os recursos de fora são carreados para a produção, não há grandes riscos. Mas se eles ficam aquém do esperado, acaba-se virando presa fácil dos investidores de curto prazo, que não têm qualquer compromisso com o Brasil e só vêm atrás dos ganhos fáceis assegurados pela atraente remuneração assegurada por uma taxa de juros elevada. Todas as crises recentes em solo verde e amarelo foram provocadas pela fuga de dinheiro do país.

Brasileiro viaja mais

Os gastos dos brasileiros com viagens internacionais continuaram em disparara em julho. Com câmbio favorecido e renda crescente, as famílias não param de ir ao exterior. O aumento das despesas com viagens incluídos os gastos com cartões é recorde. Segundo dados do Banco Central, em julho, os brasileiros desembolsaram US$ 1,5 bilhão fora do país, o que representa um incremento de 47% em relação às despesas feitas em igual mês do ano passado. Em 2010, o crescimento das despesas foi ainda mais surpreendente: subiu 56%, de US$ 5,5 bilhões para US$ 8,5 bilhões.

Em 12 meses, a situação é bastante parecida. As despesas somaram US$ 13,9 bilhões até julho, com crescimento de 42% em relação aos 12 meses imediatamente anteriores. É influência direta do fator renda, avaliou o chefe do departamento Econômico do BC, Altamir Lopes. No outro lado, o das receitas, que representam o gasto dos estrangeiros no país, a situação é inversa. Como a crise econômica persiste na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos, os turistas andam gastando menos nas visitas ao Brasil. As receitas em julho último até caíram em relação a julho de 2009.

Nas férias do ano passado, os estrangeiros deixaram US$ 445 milhões no país e, este ano, US$ 438 milhões. Nos sete primeiro meses do ano, as receitas cresceram apenas 12%, passando de US$ 3 bilhões para US$ 3,3 bilhões. (VC)