Título: LDO reduz fiscalização legislativa sobre obras
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 12/07/2011, Política, p. A8

De Brasília

O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, a ser apreciado pelo Congresso Nacional a partir de hoje, expõe em seu texto diversos pontos de fragilidade que não impedem a prática de irregularidades administrativas com o orçamento e centraliza ainda mais, nas mãos do Executivo, a execução e fiscalização dos recursos federais.Um desses pontos foi encaminhado como adendo pelo Ministério do Planejamento no dia 5 de julho, véspera da queda do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, cuja área esteve nos últimos dias bombardeada por denúncias de superfaturamento e transgressões na aplicação das verbas orçamentárias. O Executivo simplesmente cortou parte do artigo 127, que estabelecia que as regras sobre obras com indícios de irregularidades graves teriam eficácia "até a aprovação, pelo Congresso Nacional, de normas específicas sobre a matéria". Na nova redação, essas regras terão eficácia "até a publicação de legislação específica que regule a matéria". Na prática, a norma retirou parte do poder que o Congresso detém para deliberar sobre a fiscalização que o próprio Legislativo faz sobre essas obras.

Ao lado de outros artigos da LDO, assessores legislativos apontam que isso possibilita a extrapolação dos poderes do Executivo sobre o Legislativo. Por exemplo, o parágrafo 1º do artigo 99, que trata da fiscalização de obras com irregularidades graves. Ele descreve que caberá apenas aos órgãos gestores dos sistemas de informação credenciar os habilitados a acessar dados, por exemplo, do Sistema de Monitoramento do Programa de Aceleração do Crescimento (SISPAC). Ainda nesse artigo, o governo recuou e excluiu o acesso, ainda que de cidadãos e órgãos credenciados, a sistemas cruciais para a fiscalização de obras, como Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) e Sistema de Informação das Estatais (SIEST).

De acordo com técnicos que participaram de reuniões com o Ministério do Planejamento, a mudança no texto teve por objetivo esclarecer melhor as regras de controle. segundo argumentam, há certas questões referentes à fiscalização de obras que não podem, pela Constituição, serem atribuição exclusiva do Congresso Nacional.

O governo proibiu também o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, deputado Márcio Reinaldo (PP-MG), de incluir no Orçamento de 2012 as emissões de títulos do Tesouro para o BNDES e para o Fundo Soberano. A emenda foi formulada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) e prevê que, se o governo optar por conceder empréstimos via BNDES após a aprovação da lei orçamentária, terá que encaminhar ao Congresso um pedido de crédito adicional. Isso ampliaria o controle do Legislativo sobre esses procedimentos.

"Eu apoiei inicialmente essa emenda, mas depois o governo e o secretário de Tesouro Nacional (Arno Augustin), principalmente ele, disse que iria enrolar muito o processo de liberação de empréstimos e que se fosse necessário proporia ao governo o veto, se a emenda passasse", disse Reinaldo, para quem Augustin "é muito radical, é 8 ou 80". "Não é possível ter muita linha de convergência com ele", afirmou, ontem, ao Valor.

No entanto, segundo o deputado, há chance de a emenda passar na Comissão Mista de Orçamento que apreciará, a partir de hoje, a LDO, uma vez que há o sentimento entre os parlamentares da importância de controlar os recursos do BNDES, ainda mais após o episódio envolvendo a possível compra do Carrefour pelo Pão de Açúcar. "Fica evidente a necessidade de um controle desse, ainda mais com esse episódio. Acho que pode estabelecer uma disciplina. Mas acabei retirando do relatório, porque notei que o que o Tesouro fala o governo acata", concluiu.

Esse, contudo, foi apenas mais um aspecto em que o Executivo atuou nas negociações para evitar ampliação do controle sobre o Orçamento de 2012. Em outro trecho da LDO, ele volta a limitar a atuação do Congresso, ao se permitir realizar qualquer alteração da fonte de recursos ou do grupo de despesa de uma programação orçamentária mediante a publicação de uma portaria ministerial, contanto que não haja mudança no valor global previsto. Assim, poderá editar portarias para deslocar recursos dentro do Orçamento, sem precisar da aprovação, pelos deputados e senadores, de projetos de lei de crédito adicional.

Até mesmo a possibilidade de executar a lei orçamentária sem sua aprovação no Congresso é vislumbrada pelo Palácio do Planalto. Segundo a legislação, se a lei não for sancionada pela presidente até 31 de dezembro, é permitido ao Executivo efetuar gastos para pagamento de pessoal e do custeio da máquina pública. De uns anos para cá, porém, o governo começou a querer incluir nesse rol os investimentos. Neste ano, por exemplo, o governo quer poder gastar, se não aprovado o orçamento, com investimentos e inversões financeiras em obras do PAC, financiamentos a estudantes, a obras em andamento do orçamento decorrentes de investimento das estatais, e com o aumento da participação da União no capital de empresas para execução de obras em andamento. o governo também é contrário a indicar as programações orçamentárias das obras relacionadas a Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, algo que facilitaria o acompanhamento dos recursos.

O relator defende a transparência do Orçamento, mas dentro de um processo de negociação sob pena de a presidente vetar alguns artigos quando for sancionar o projeto. "Quanto mais transparência melhor. Quanto mais a coisa estiver sem a ditadura de um grupo pequeno, melhor. O orçamento hoje não sofre nem nunca sofreu controle.

Ele disse também que, para que as negociações tenham resultado, as duas partes têm de ceder, mas que tem visto a oposição forçar muitas emendas, focar em temas menores e não priorizar o que considera mais fundamental para deputados e senadores: garantir que as emendas parlamentares não sejam contigenciadas e que haja limites para o crescimento dos restos a pagar.