Título: Venezuela deixa de financiar programa social na Bolívia
Autor: Souza, Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2011, Internacional, p. A9

Em 2007, o presidente da Bolívia, Evo Morales, inaugurou um programa de ajuda a comunidades pobres que logo se converteu na vitrine da política social de seu governo. Sem burocracia, sem intermediações, funcionários de La Paz e às vezes Morales em pessoa iam às localidades e brindavam os moradores com um cheque para que gastassem na construção de campos de futebol, na reforma de uma escola, de um hospital, consertos em estradas ou para outras obras menores de infraestrutura.

A assinatura no cheque era do governo Morales, mas quem garantia os fundos era o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.

Principal financiador do programa "Bolívia muda, Morales cumpre", a Venezuela repassou cerca de US$ 290 milhões para a iniciativa entre janeiro de 2007 e abril de 2010. Foram mais 4 mil obras de infraestrutura em 338 cidades bolivianas, segundo a agência estatal de notícias ABI.

Há sinais, porém, de que o apoio venezuelano está diminuindo. "Já no ano passado, os recursos começaram a rarear", diz o economista Gonzálo Chávez, professor da Universidade Católica, em La Paz. E isso passou a alimentar rumores na Bolívia de que a benevolência chavista estaria chegando ao fim. No domingo, Morales acabou com as dúvidas: a Venezuela não mais financiará o programa.

O episódio sugere que a recessão na Venezuela em 2009 e 2010 e as dificuldades ainda enfrentadas este ano por conta da crise energética minaram a capacidade de Chávez de manter integralmente programas de ajuda a outros países. "Houve cortes em projetos para atender aos venezuelanos mais pobres, como o Barrío Adentro, que passou a ter muito menos recurso, e também nos projetos em outros países", diz Luís Vicente León, diretor da Datanalisis, uma das mais conhecidas consultorias econômicas da Venezuela.

"Os números sobre a ajuda internacional são uma caixa preta", diz León. Mesmo assim, especula, Cuba pode ser o país que mais foi beneficiado pela ajuda externa venezuelana. Não só com recursos e petróleo barato, mas também com projetos de intercâmbio, como a contratação de grande contingente de médicos cubanos. Chávez está se tratando de câncer em Cuba.

Bolívia, Equador e Nicarágua são outros países alinhados politicamente a Chávez e que recebem apoio financeiro venezuelano.

Na Bolívia, além de o governo assumir o programa "Bolívia muda", cresceram os atritos comerciais com a Venezuela. Exportadores bolivianos se queixam de forte queda nas exportações. Segundo a Câmara Nacional de Exportadores da Bolívia, entre janeiro e abril, as vendas de produtos não tradicionais (têxteis, por exemplo) para a Venezuela caíram a 90% em relação ao mesmo período de 2010.

Os exportadores culpam a burocracia no Sistema Unitário de Compensação Regional de Pagamentos, um acordo firmado entre os dois países, e a falta de certificados de produção que deveriam ser emitidos pela Venezuela para viabilizar as exportações bolivianas.

No Equador, onde o presidente Rafael Correa mantém desde o início do mandato, em 2007, uma relação muito próxima com Chávez, um dos projetos comuns mais vistosos está emperrado. "A refinaria do Pacífico, que já foi festejada com muito bumbo por Correa e Chávez, está parada. Estão em busca de um sócio para de fato começar a construir. Alguns aqui dizem que seria um sócio asiático", diz o analista econômico equatoriano Walter Spurrier. Num artigo publicado ontem no jornal "El Comércio", Spurrier se pergunta em que os 114 acordos assinados entre os dois países desde 2001 de fato trouxeram benefício ao Equador - se é que saíram do papel.

Em junho, a própria agência oficial de notícias Ane veiculou artigo no qual listava diversos projetos de cooperação que pouco ou nada avançaram. E lembra que reuniões entre os dois presidentes e entre seus ministros deixaram de ser frequentes desde o ano passado.

Nada disso, porém, deve afastar esses países da Venezuela, avalia León. "Eles continuam recebendo algum tipo de apoio e todos estão na expectativa de que Chávez continue no poder, que a economia se recupere e que o petróleo suba."