Título: Direitos da cidadania com prazo de validade reduzido?
Autor: Lazzarini , Marilena; Moura, Walter
Fonte: Correio Braziliense, 24/08/2010, Opinião, p. 33

Coordenadora-executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

Advogado, diretor secretário-geral do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon)

Certas coisas são consideradas insuperáveis em matéria de defesa do consumidor. Uma delas é que há prazos determinados para o exercício dos direitos, prazo esse que é fixado por lei. No vocabulário jurídico, isso se chama prescrição. De modo geral, é com base nela que consumidores, advogados, defensores públicos e promotores públicos podem ir à Justiça, decidindo se vão ou não ingressar com ações judiciais.

Como está definido em lei, todos ficam seguros de que, se o prazo foi atendido, o direito ainda tem aproveitamento. Se o cidadão deixa o prazo fluir, e nada faz, faz sentido o jargão de que o direito não socorre aos que dormem. Essa regra traz a todos o conforto a que chamamos de segurança jurídica.

Daí porque, tal qual o título deste pequeno artigo, temos prazo determinado para exercer nosso direito de cidadania. Na dinâmica das ações judiciais, é a partir das leis que credores e devedores calculam, por exemplo, se vão ter que responder ou não por dívidas. A fixação de prazo legal para o exercício de um direito (por intermédio de uma ação judicial) é justa porque não deixa que uma pessoa responda eternamente.

Agora, prestes à data em que o Código de Defesa do Consumidor comemorará 20 anos, o consumidor corre o risco de sofrer pesado golpe em suas garantias. Pela primeira vez, os bancos querem reduzir o prazo de validade de nossa cidadania, ao limitar que as ações civis públicas versando sobre os direitos do consumidor tenham um prazo máximo de cinco anos para serem ajuizadas.

O prazo de cinco anos, visto rapidamente, pode parecer razoável, especialmente sob o argumento de que, hoje em dia, com a internet e os avanços de comunicação, prazos de 10 ou 20 anos seriam bastante alongados.

Apesar de sedutor esse argumento, deve haver limites. Devemos respeitar as leis brasileiras e o direito adquirido das pessoas que, no passado, foram à Justiça com os prazos então vigentes no Código Civil. Isso acontece, na vida real, e está sendo discutido no Superior Tribunal de Justiça, afetando a todos os brasileiros.

Os conhecidíssimos planos econômicos de quando o Brasil não possuía moeda estável acabaram por afetar consumidores que tinham dinheiro na poupança. Quando os planos transformaram uma moeda em outra (exemplo: quando foi criado o cruzado novo, nos idos de 1989), o montante aplicado na poupança foi diminuído pelo cálculo de conversão da moeda. Isto é, as aplicações ficaram cerca de 20% menores do que realmente valiam.

Cada um de nós tinha, desde que afetados pela perda, o prazo de 20 anos para reclamar. O mesmo direito era estendido ao Ministério Público e às defensorias, que também fizeram centenas de ações civis públicas buscando esse direito dos cidadãos no prazo fixado pela lei, isto é, de 20 anos. Tanto é que este jornal e vários outros canais de mídia anunciaram com intensidade que o direito de rever os planos prescreveu, no caso do cruzado novo (Plano Verão), em 2009.

Tais planos já foram considerados devidos aos consumidores em todas as instâncias do Poder Judiciário, inclusive no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal. Não podem os bancos suprimir o valor real do patrimônio do consumidor, especialmente em matéria de poupança, que é um bem de família e da economia popular inestimável.

Mas, agora, 20 anos depois, quando vários consumidores, promotores de justiça, defensores públicos e advogados já ajuizaram tais ações buscando reverter uma situação injusta, vimos a notícia de que, depois do jogo encerrado, o prazo prescricional das ações coletivas será reduzido para cinco anos.

O mais grave, nesse caso, é tentar aplicar um entendimento atual que vincule e alcance situações passadas. Se esse entendimento vingar e estamos confiantes que não , ele ao menos só poderá afetar situações futuras. A nova regra, na verdade, só poderia ser aplicada se houvesse uma lei específica determinando que as ações coletivas e públicas têm prazo de até cinco anos para serem ajuizadas. Mesmo assim, nesse caso, a lei não afetaria as situações passadas. Como pode, então, uma decisão judicial fazer isso? Na verdade, parece que nossa cidadania está com prazo de validade diminuído! Vamos ficar atentos.