Título: Política energética é calcanhar de Aquiles do modelo
Autor: Webber,Jude
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2011, Especial, p. A12

Se há um calcanhar de Aquiles óbvio no "modelo" do governo argentino - uma mistura econômica baseada em superávits comerciais e fiscais e uma moeda competitiva -, ele é a política energética.

Mesmo com o governo alardeando a economia aquecida, as empresas estão sendo forçadas, todos os invernos, a lutar pelo gás de que necessitam para continuar produzindo. No setor agrícola, crucial para a economia, não é incomum os estoques de diesel acabarem no pico das colheitas.

Na verdade, o setor vem sendo mantido sob racionamento para evitar a perspectiva politicamente intragável de uma restrição do fornecimento aos clientes residenciais. Nos dez anos desde o default eles se acostumaram a pagar preços bastante subsidiados e não têm nenhum incentivo para reduzir o consumo. "A economia energética foi totalmente alterada pelas más intervenções do Estado", diz Francisco Mezzadri, um analista do setor de energia.

Apesar de ter grandes reservas de petróleo e gás, incluindo reservas de gás de xisto betuminoso, difícil de ser extraído e que se acredita estarem entre as maiores do mundo, a Argentina se transformou em um importador de energia. Enquanto o vizinho Brasil investiu pesadamente no desenvolvimento de suas enormes reservas offshore, a Argentina assinou no mês passado um acordo de 20 anos para a compra de gás natural liquefeito do Qatar, por um valor não revelado - um acordo que dificilmente será o último do tipo.

O mercado energético altamente regulado da Argentina também não está conseguindo atrair os investimentos necessários para o aumento da capacidade de refino num ritmo que consiga acompanhar a demanda doméstica.

O governo nega a existência de um problema no setor energético, mas este mês ele teve dificuldade para conseguir um extra de US$ 1,5 bilhão para bancar seus subsídios ao setor, depois de consumir em seis meses o dinheiro que havia alocado para isso. Se o crescimento acelerado da economia persistir, a energia continuará sendo um fardo para as finanças de um país onde os gastos públicos cresceram 34,5% em maio, sobre o mesmo período do ano passado.

Enquanto isso, campos de petróleo e gás já bastante explorados, com menor produtividade e uma falta de investimentos em exploração, além dos crescentes subsídios a tarifas e preços do setor (US$ 6,3 bilhões no ano passado), vêm levando a uma queda da produção e das reservas. O setor também está no vermelho.

"A Argentina, que teve um superávit comercial de energia de US$ 5,6 bilhões em 2006, terminará 2011 com um déficit estimado em US$ 3 bilhões", segundo disseram este mês oito ex-secretários de Energia, num documento elaborado para servir como um alerta à fragilidade do setor antes das eleições presidenciais de outubro.

Não será fácil aumentar as tarifas num período de inflação elevada. A alternativa é continuar subsidiando o consumo de energia com recursos do Estado que poderiam ser usados para fazer mudanças estruturais e reduzir a pobreza.

Se Cristina Kirchner for reeleita, conforme se espera, ela terá que fazer mudanças, afirma Mezzadri - "caso contrário, sua política acabará transformando a Argentina num país que vai trocar soja [principal exportação] por energia".