Título: Chery chega ao Brasil sem amarras com o governo
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/07/2011, Empresas, p. B8
O início da construção da fábrica da Chery indica um modelo de negócios oposto ao que tem prevalecido ao longo da história dos investimentos da indústria automobilística no Brasil. Trata-se de um projeto independente de sócios locais, totalmente financiado por recursos chineses e livre de amarras com o governo brasileiro.Ontem, no lançamento da pedra fundamental da fábrica que começa a ser construída em Jacareí (SP), o presidente mundial da Chery, Yin Tongyue, disse que o investimento de US$ 400 milhões será formado com dinheiro da empresa e recursos do Banco de Desenvolvimento da China. Esse perfil de negócios tem pelo menos uma vantagem: caso o projeto não dê certo, a empresa sai sem dever nada a ninguém. Os chineses devem estar a par de problemas que outros enfrentaram em projetos guiados por guerra fiscal. A Ford deslocou para a Bahia o plano de uma fábrica inicialmente destinada ao Rio Grande do Sul quando soube que o governo estadual não cumpriria incentivos prometidos pela gestão anterior.
O novo ciclo de investimentos que traz agora os chineses também encontra um país diferente, onde a indústria automobilística não mais desfruta de benefícios que fizeram surgir histórias como a polêmica dívida - de R$ 1,7 bilhão hoje -, deixada pela coreana Asia Motors, por não cumprir a promessa de investir na Bahia em troca de incentivos à importação.
Os executivos da companhia também não se comprometem a cumprir índices de nacionalização à altura do que o resto do setor, apesar de esperar que pelo menos 20 fabricantes de peças da China se interessem por investir no Brasil.
Os carros que sairão de Jacareí - quatro modelos compactos fabricados sobre duas plataformas - começarão a ser produzidos com 30% de peças nacionais. A ideia de alcançar 50% em 2015, quando a unidade estará operando em plena capacidade (150 mil veículos por ano) não atende à regra da Tarifa Externa Comum, do Mercosul, que só permite a venda para países do bloco isenta de imposto mediante nacionalização de 60%.
Mas a empresa não está preocupada. Quer usar o Brasil como plataforma de exportação para mercados como Chile, Colômbia e África, deixando o abastecimento da Argentina a cargo da fábrica da marca Chery do Uruguai, um empreendimento que pertence ao grupo argentino Macri.
Apesar do acordo no Uruguai, a Chery chega ao Brasil em sócios. Não tem parceria sequer com governo estadual, um modelo adotado por montadoras na fase de instalação no país, como Fiat, na década de 70, e as francesas Renault e PSA Peugeot Citroën nos anos 90.
A presença maciça de executivos da China na festa que levou até o governador Geraldo Alckmin até Jacareí, ontem, serviu para mostrar que a gestão da filial brasileira será totalmente comandada pela China. Até aqui, o executivo que comanda a filial brasileira - Luis Curi - é brasileiro. Mas o grupo Venko, atual importador da marca, não participará do projeto da fábrica, cujo início de operação está marcado para setembro de 2013.
Por enquanto, os chineses também não mostraram nenhuma intenção de recorrer às linhas do BNDES que há anos financiam projetos de grandes empresas do setor, como Volkswagen.
A fábrica da Chery começa a ser construída, porém, quando a marca ainda tem uma participação tímida no mercado. Suas vendas acumuladas nos primeiros seis meses do ano não representam pouco mais de 0,5% do segmento de automóveis e comerciais leves. Talvez isso não preocupe tanto uma empresa que em seu próprio mercado, a China, conseguiu apenas 3% das vendas em 2010, bem atrás de empresas que vai enfrentar também no Brasil, como General Motors e Volks, que ocuparam, respectivamente, no ano passado os dois primeiro lugares do maior mercado de veículos do mundo.
A má notícia que Tongyue, um engenheiro de 49 anos, traz é que não será desta vez que o brasileiro realizará o sonho do carro barato. O veículo que marcará a estreia da linha de Jacareí ficará numa faixa de preços acima do QQ, o carro da Chery que custa R$ 24 mil.