Título: Destino global nas mãos dos bancos centrais
Autor: Harding, Robin; Wilson, James
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2011, Finanças, p. C5

Crise externa: Em meio a um vácuo político nos países desenvolvidos, BCs testam a extensão de seus poderes

Financial Times As autoridades monetárias de Washington e Frankfurt estão anunciando medidas sem precedentes para enfrentar uma renovada crise de confiança e, ao agirem num vácuo político, elas estão testando a extensão de seus poderes.Assim como para a polícia da Inglaterra abalada pelos distúrbios de rua, este será mais um fim de semana de um ansioso estado de prontidão para o staff dos maiores bancos centrais dos países desenvolvidos. Conforme disse Jean-Claude Trichet de maneira decidida na terça-feira passada, em meio a uma semana de turbulências para o mercado: "Nos consideramos âncoras da confiança e da estabilidade num mundo que precisa disso mais do que nunca". No entanto, assim também como os comandantes das forças policiais britânicas, o presidente do Banco Central Europeu (BCE) está agora bastante consciente de que não só está forçado aos limites de seus poderes, como também de que outras armas de governança de seu território estão menos equipadas para fazer qualquer coisa.

Portanto, quando a crise estourou uma semana atrás, nos dois lados do Atlântico somente os bancos centrais puderam agir. Trichet e Ben Bernanke, o presidente do Federal Reserve (Fed), haviam ambos observado os acontecimentos com um mau pressentimento na primeira semana de agosto, quando dados ruins sobre a economia dos Estados Unidos levaram a uma queda nos preços das ações, enquanto na Europa os investidores começaram a fugir dos títulos das dívidas da Itália e Espanha. Então, a agência Standard & Poor"s provocou outro choque ao cortar a classificação de crédito do governo dos Estados Unidos de "AAA" para "AA+". O perigo de uma recessão nos EUA pode ser agora o maior desde 2007, mas após uma discussão fiscal paralisante com os republicanos, não havia mais nada que o presidente Barack Obama pudesse tentar. Enquanto isso, por sua própria falta de uma resposta coerente, os governos da Europa repetidamente arejaram os temores do mercado de que a Espanha e a Itália não conseguirão se financiar. Em vez disso, teve início na região um fim de semana de atividades intensas no BCE e no Fed, enquanto eles se preparavam para conter o pânico quando os mercados reabrissem na segunda-feira. O BCE agiu primeiro. Perto de meia-noite de domingo, após o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, ter se dobrado às exigências de reformas mais urgentes, e a França e Alemanha terem emitido um comunicado que lhe dava uma permissão tácita, o BCE indicou que iria entrar no mercado e comprar títulos de dívida da Itália e Espanha.

Na segunda-feira, dia 8, os rendimentos dos bônus espanhóis e italianos caíram de um patamar insustentável de mais de 6% para um nível mais administrável: perto de 5%. "As compras de bônus espanhóis e italianos pelo BCE deixam claro que ele fará tudo o que for preciso para impedir uma crise sistêmica", diz Dirk Schumacher, economista do Goldman Sachs para a Europa.

Entretanto, quando os mercados de ações abriram no mesmo dia, eles caíram, com o índice Standard & Poor"s 500 (S&P 500) recuando 6,7% na segunda-feira e as ações de alguns dos maiores bancos perdendo mais de 20%. Portanto, na terça-feira todas as atenções estavam voltadas para o Fed. E ele não desapontou. Numa medida tanto inesperada quanto sem precedentes, ele prometeu manter as taxas de juros perto de zero até meados de 2013, acabando com anos de desconforto sobre compromissos com a política monetária futura.

"A medida foi muito surpreendente, eu diria até chocante", afirma Alan Blinder, professor de economia de Princeton e ex-vice-presidente do Fed. "Os bancos centrais em geral, e o Fed em particular, não gostam de se comprometer de antemão." A vantagem de se abrir mão da flexibilidade do Fed é que se os mercados sabem que as taxas de juros de curto prazo não vão subir durante dois anos, isso também vai derrubar as taxas de juros de longo prazo, tornando os empréstimos mais baratos e estimulando a economia.

As turbulências persistiram no resto da semana e na sexta-feira alguns países europeus desenterraram outra política ineficiente da crise anterior e proibiram os investidores de vender ações de instituições financeiras a descoberto, com o intuito de lucrar com a queda dos preços dos papéis. Mas os bancos centrais tiveram mais uma vez que ajudar. Os mercados reagiram. Uma certa calma retornou.

No entanto, os acontecimentos da semana passada deixam muitas dúvidas sobre o que os bancos centrais fizeram: se foi suficiente, o que mais eles poderão fazer, e se eles conseguirão sobreviver às poderosas pressões internas e externas que essas decisões importantes desatam.

Olhando de uma outra maneira, os banqueiros centrais são os cirurgiões da economia mundial. Seu problema é que os oncologistas e radiologistas- os governos que poderiam usar seus orçamentos para dar apoio à recuperação ou emprestar para a Espanha e a Grécia - entraram em greve.

Os médicos têm duas escolhas: eles poderiam continuar operando, tentando formas mais radicais de política monetária, embora haja limites ao que eles podem conseguir. A alternativa é andar a esmo na política fiscal - prescrevendo medicamentos ou radioterapia -, correndo o risco de enfrentar processos por negligência médica como resultado.

"Não obstante, não se vai conseguir uma forte recuperação", afirma Frederic Mishkin, professor de economia da Columbia Business School em Nova York e ex-presidente regional do Fed, "mas o processo político criou uma incerteza enorme". O acordo para o teto da dívida dos EUA, que exige cortes orçamentários progressivos e cria um clima político em que mais gastos de estímulo são inconcebíveis, evoca o espectro de 1937, quando uma precipitação para enfrentar os déficits orçamentários criados na recuperação da Grande Depressão, jogou a economia de volta à recessão. E pior: isso na verdade não resolve os problemas fiscais de longo prazo dos EUA.

A questão é o que os bancos centrais podem e deveriam fazer para compensar isso. Mishkin diz que a decisão da semana passada de prometer manter os juros baixos por dois anos - um exemplo do Fed fazendo o que pode com as ferramentas de política monetária de que dispõe - foi a melhor opção disponível. Mas ele continua cauteloso com as medida mais drásticas que o Fed poderia tomar, como uma terceira rodada de expansão monetária - o chamado QE3 -, que provavelmente significaria a compra de títulos do Tesouro americano para reduzir as taxas de juros de longo prazo. "É muito perigoso para o Fed ficar parecendo que ele está ajudando num política fiscal irresponsável", diz Mishkin. "Se as coisas continuarem se deteriorando, eles terão que se esforçar mais. Mas o QE3 implica em custos muito altos."

O professor de Princeton Blinder não ficou muito entusiasmado com o compromisso de dois anos em relação aos juros, preferindo a opção de reduzir os juros pagos aos bancos sobre suas reservas, num esforço para forçá-los a emprestar, mas ele também tem dúvidas em relação ao QE3. "Não acho que você pode conseguir muita alavancagem da economia tentando comprar Treasuries", diz ele.

Para Blinder, o que faria diferença seria a compra de ativos de risco como o Fed fez em 2009, quando ele comprou bônus lastreados em hipotecas. Aquilo devolveu a vida ao estressado mercado de hipotecas; em essência, o banco central estimulou a economia assumindo riscos no momento em que ninguém mais queria fazer isso.

Se a economia dos EUA continuar se enfraquecendo, o Fed terá de fazer mais, como críticos de longa data como Paul Krugman vêm pedindo. O banco central sempre tem o poder de imprimir dinheiro, comprar ativos e gerar inflação - mas o Fed será constantemente contido por uma sensação de que grande parte disso é na verdade uma atribuição do Congresso.

Na Europa, o BCE está tomando decisões ainda mais profundas. Ao comprar dívida da Espanha e Itália, ele está trabalhando para que toda a área do euro empreste para países do bloco com problemas - uma escolha altamente política.

Thomas Mayer, economista-chefe do Deutsche Bank, diz: "Isso é o BCE fazendo exatamente o que não deveria fazer. Os pais do tratado de Maastricht [sobre a união monetária e econômica] saíram do caminho para erguer uma grande parede entre o BCE e as finanças governamentais - e isso não está funcionando. O BCE foi arrastado para a arena fiscal e agora é um combinado de agente monetário e fiscal".

"Jean-Claude Trichet está fazendo o que está fazendo com boas intenções, mas o BCE se aproximou mais dos políticos", afirma Jörg Krämer, principal economista do Commerzbank. "Eles estão indo cada vez mais nesta direção e, no final, ficará mais difícil conduzir a política monetária certa e tomar as decisões certas para evitar a inflação ou bolhas nos preços dos ativos."

Mayer diz que especialmente na Alemanha o BCE corre o risco de perder a confiança do público. "O povo alemão é muito sensível à ideia dos bancos centrais se envolverem no financiamento de governos. Se os alemães sentirem que o BCE não é mais "seu" banco central, isso será muito perigoso para o euro."

Essas preocupações com a missão do banco - que inicialmente levaram vários planejadores econômicos do BCE a rejeitar a compra de títulos das dívidas da Espanha e Itália - significam que há também preocupações com sua capacidade de agir com convicção suficiente para ser bem sucedido. "O sucesso das compras de bônus depende de muitos fatores, incluindo a percepção do mercado de quão resoluto o BCE está sendo", diz Jean Pisani-Ferry, diretor do centro de estudos belga Bruegel. "Qualquer coisa que sugira que eles estão hesitando no que fazem levará os mercados a testarem os limites."

Até agora, as compras do BCE diminuíram as preocupações com a Espanha e a Itália, mas um padrão constante ao longo da crise da zona do euro tem sido as declarações prematuras de vitória. Os mercados sabem que o BCE não está confortável com o que está fazendo - o que significa que, do mesmo modo que a polícia para manter a ordem pública, ele precisa ser ainda mais determinado.

"Compra um pouco de dívida aqui e alí não vai acabar com a crise", diz Charles Wyplosz, professor de economia do Graduate Institute of International Studies de Genebra. Mas ele conclui apontando para uma solução que faria muitos planejadores econômicos tremer. "O BCE precisa adotar uma posição muito forte e garantir toda a dívida pública. Ele precisa usar suas armas atômicas."