Título: A proposta modesta do Tea Party
Autor: Johnson, Simon
Fonte: Valor Econômico, 15/08/2011, Opinião, p. A15

Confronto e provocações são as novas palavras-chave da política americana.

Nos EUA, o Tea Party tem uma mensagem fiscal simples: o país está quebrado. Isso está factualmente incorreto - os títulos do governo dos EUA continuam sendo um dos investimentos mais seguros do mundo - mas a afirmação serve ao propósito de dramatizar o orçamento federal e criar uma grande dose de histeria em torno dos atuais níveis da dívida americana. Isso, então, produz a fervorosa crença de que os gastos do governo devem ser cortados radicalmente - e já.Existem problemas fiscais reais que exigem discussões sérias, inclusive sobre a forma de controlar o crescimento dos gastos na área da saúde e sobre como melhor reestruturar a reforma tributária. Mas a facção Tea Party do Partido Republicano preocupa-se mais com governo pequeno do que com qualquer outra coisa: seus membros insistem, acima de tudo, que a receita tributária federal nunca deveria exceder 18% do PIB. Seu antecedente histórico é a Rebelião "antirreceita" do Uísque de 1794 (contra a cobrança de impostos sobre bebidas) - e não o antibritânico Boston Tea Party original - que defendia o direito de ser tributado apenas por seus próprios representantes eleitos, em 1773.

E o mais importante: as táticas (do atual movimento Tea Party) revelaram-se enormemente destrutivas de riqueza nos EUA. Desde quando começou o prolongado confronto sobre o orçamento, no início deste ano, o mercado acionário perdeu cerca de 20% de seu valor (aproximadamente US$ 10 trilhões). Com efeito, o Tea Party está se empenhando ao máximo em reduzir o financiamento público de benefícios sociais - como pensões e o Medicare - ao mesmíssimo tempo em que seus métodos reduzem enormemente o valor da riqueza privada - presente e futura.

Parte do mito fundador do movimento Tea Party, como sabemos, é que um governo menor produzirá um crescimento mais rápido e maior prosperidade para todos. Pouco importa que as espetaculares projeções de crescimento contidas no plano orçamentário do deputado Paul Ryan, por exemplo, sejam completamente implausíveis; essas projeções são politicamente importantes, porque sem elas o pleno impacto dos cortes no Medicare propostos por Ryan seriam facilmente perceptíveis.

A Standard & Poor"s foi alvo de algumas críticas justificadas devido à análise por trás de sua recente decisão de rebaixar o status creditício da dívida do governo dos EUA; afinal, havia escassa novidade econômica que pudesse explicar o momento da decisão. Mas a avaliação da S&P sobre o quadro político acertou na mosca: ao criar uma paralisia disfuncional no coração do governo, os adeptos do Tea Party mostraram estar dispostos a impor enormes custos à economia e a garantir um crescimento significativamente mais lento.

Confrontação e provocações de alto risco tornaram-se as novas palavras-chave da política americana, mesmo quando a capacidade legal do governo dos EUA de pagar suas dívidas está em questão, devido à rigidez ideológica do Tea Party. E o tom do debate político, não é de surpreender, tornou-se muito mais agressivo.

Ao firmar uma jura de não aumentar os impostos, os parlamentares do Tea Party deixaram bem claro seu não consentimento em relação a qualquer acordo baseado em concessões mútuas. Se descumprirem essa promessa, presumivelmente sofrerão uma derrota na próxima rodada de primárias do Partido Republicano. Assim, embora tecnicamente um acordo orçamentário fosse fácil de obter, parece politicamente impossível no curto prazo. De fato, enquanto o Congresso e o Partido Republicano tornaram-se menos populares em 2011, o apoio ao Tea Party permaneceu notavelmente constante, congregando aproximadamente 30% da população. Suas táticas, portanto, parecem politicamente sustentáveis, pelo menos até as eleições de 2012.

Talvez o desfecho mais prejudicial dessas táticas seja tornar uma política fiscal anticíclica algo totalmente fora de questão. Independentemente do que aconteça com a economia mundial nas próximas semanas e meses à frente, é inconcebível que algum tipo de estímulo fiscal significativo seja aprovado na Câmara dos Deputados.

Resta ver se o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) também se sentirá constrangido pelo clima político no Capitólio. Claramente, influentes adeptos do Tea Party resistirão firmemente a qualquer tentativa, agora, do presidente do Fed, Ben Bernanke, para encontrar formas heterodoxas para executar uma política monetária mais expansionista.

E, quanto a proteger o sistema financeiro contra um desastre, a maioria atual na Comissão de Serviços Financeiros da Câmara é clara - ela favorece o uso do procedimento falimentar quando megabancos entram em sérias dificuldades. Se a crise na zona do euro persistir em sua espiral descontrolada, os EUA podem esperar a ocorrência de colapsos do tipo - ou quase do mesmo tipo - que abateu o Lehman, entre instituições financeiras expostas.

A ironia da revolta do Tea Party, evidentemente, é que ela prejudica o setor privado mais do que contém um "governo grande". O rebaixamento da classificação de crédito pela S&P resultou em uma "fuga para ativos de qualidade", o que significa que os investidores passaram a comprar dívida do governo americano - elevando, assim, seu preço e reduzindo a taxa que o governo federal paga para tomar empréstimos.

Foram as cotações nas bolsas que caíram acentuadamente - o que faz sentido, uma vez que a política contracíclica é atualmente muito limitada. O setor governamental do sistema de crédito saiu fortalecido, em termos relativos, em consequência da evolução dos acontecimentos nos últimos meses. Foi o setor privado - onde o investimento e a atividade empresarial são necessários para gerar crescimento e emprego - que tomou uma surra.

A menos e até que o setor privado americano recupere-se, investimento e criação de empregos continuarão estagnados. Mas a atual atmosfera de medo e as táticas orçamentárias agressivas estão se combinando para minar a confiança e o poder de compra do setor privado.

Simon Johnson foi economista-chefe do FMI, é cofundador de um importante blog sobre economia, www.BaselineScenario.com, professor da MIT Sloan, membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional e coautor, com James Kwak, de "13 Bankers". Copyright: Project Syndicate, 2011.