Título: Há uma bolha de crédito no Brasil? Ainda não
Autor: Carvalho, Marcelo
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2011, Opinião, p. A12

O mercado hipotecário tem crescido rapidamente, mas de um ponto de partida baixo.

A experiência internacional sugere que as crises financeiras geralmente são precedidas por um "boom" de crédito. Na verdade, há evidências argumentando que o crescimento do crédito é o melhor alerta individual de futura instabilidade financeira. No Brasil, o crédito de fato tem crescido rapidamente, levando alguns observadores a argumentar que o Brasil pode estar a caminho de uma crise como a do "subprime" nos Estados Unidos. Alguns temem que o Brasil possa escorregar de uma expansão vigorosa para uma quebra generalizada.Será que o Brasil enfrenta hoje uma bolha de crédito, prestes a estourar? Minha opinião: Ainda não. De fato, o crédito vem se expandido rapidamente no Brasil. Mas existem vários fatores atenuantes, dando suporte à convicção de que o desastre não é inevitável. O crédito vem crescendo rapidamente, sim, mas a partir de um ponto de partida baixo; e tanto o Banco Central quanto os próprios bancos parecem bem cientes dos riscos envolvidos; medidas têm sido adotadas para esfriar as coisas; o sistema financeiro está bem capitalizado e regulamentado; e o histórico recente no lidar com crises cíclicas é encorajador. Como sempre, não há espaço para complacência. Supervisão adequada, um acompanhamento atento, e regulamentação prudencial permanecem ingredientes essenciais para evitar que uma expansão excessiva hoje se transforme em colapso financeiro amanhã. Em outras palavras: até aqui tudo bem, mas é sempre bom ficar de olho.

O crédito do Brasil tem crescido rapidamente nos últimos vários anos, a um ritmo anual de dois dígitos. Cresceu acima de 20% nas últimas leituras, mais rápido que o intervalo de 10%-15% que o Banco Central tem mencionado como um ritmo mais adequado. O estoque total de crédito já bate quase em 50% do PIB. Essa razão ainda não aparece particularmente elevada para padrões internacionais. Mas aumentou significativamente do patamar mais perto de 20% observado há cerca de uma década, em função de maior estabilidade macroeconômica, ampliação de horizontes de planejamento, tendência de declínio dos juros ao longo dos anos e maior penetração do crédito, em meio a emprego crescente e expansão da classe média.

Enquanto o crédito concedido a indivíduos foi o que mais cresceu, o crédito para as empresas mantém a maior participação no crédito total no Brasil.

Em particular, o mercado hipotecário tem crescido muito rapidamente, mas de um ponto de partida extremamente baixo, e agora representa apenas cerca de 4% do PIB. O que ainda é muito baixo pelos padrões internacionais. É difícil falar de uma bolha imobiliária no estilo americano de "sub-prime" (empréstimos de segunda-linha) no Brasil, onde mal existe um mercado "prime" (primeira linha) para começo de conversa. Se o mercado de hipotecas no Brasil quiser se aproximar dos padrões internacionais, ele ainda terá de crescer muito rapidamente durante muitos anos. O desafio, claro, é como administrar essa expansão de forma prudente, evitando a acumulação de excessos e desequilíbrios ao longo do caminho. Em relação à composição entre setor público versus setor privado, os bancos do setor privado representam a maior parte da concessão de crédito no Brasil, mas o papel dos bancos públicos pulou para um patamar superior após a crise global de 2008, puxado por empréstimos agressivos pelos bancos comerciais estatais bem como pelo BNDES.

Quanto às taxas de juros bancárias, duas observações se destacam. Primeiro, as taxas para tomadores finais no Brasil são extraordinariamente altas para padrões internacionais - e são, naturalmente, maiores para indivíduos do que para empresas, embora a diferença entre os dois segmentos pareça estar diminuindo ao longo do tempo. As taxas de juros na ponta do tomador final são altas porque a taxa de juro básica da economia é alta, e porque os spreads são muito altos também. Altas taxas de juros representam um importante fator de alívio de preocupações sobre uma bolha de crédito. Afinal, bolhas tipicamente prosperam em um ambiente de juros baixos. De fato, a literatura internacional sobre a dinâmica macroeconômica antes de crises indica que o crédito cresce rapidamente e as taxas de juros são deprimidas no período que antecede crises financeiras. Em segundo lugar, as taxas de empréstimos flutuam com a taxa básica de juro. Isso significa que o aperto de política monetária em curso deve achar seu caminho através do canal de crédito para encarecer os empréstimos mais e, portanto, deve ajudar a esfriar os setores da economia mais sensíveis a credito.

Quanto aos prazos dos empréstimos, estes têm aumentado ao longo últimos anos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, apesar de recentes medidas prudenciais em setores como financiamento de automóveis, a fim de melhor casar o prazo dos empréstimos com a natureza do colateral. A inadimplência tem subido, e tende a subir mais quando a economia esfria, mas ainda está longe de ser alarmante diante dos padrões históricos. Além do mais, os reguladores, bem como os próprios bancos, parecem plenamente conscientes dessas dinâmicas e parecem preparados para as oscilações cíclicas. Na verdade, o governo já introduziu várias medidas (incluindo as chamadas medidas macroprudenciais) para esfriar a expansão do crédito.

E o histórico recente do Brasil em lidar com períodos de desaquecimento econômico é bastante encorajador, a julgar pelo desempenho do sistema financeiro durante a crise financeira de 2008-2009, quando o governo bem como bancos agiram com rapidez e de forma prudente. Importante: o domicilio médio brasileiro não parece particularmente alavancado, a julgar por comparações internacionais, embora as altas taxas de juros no Brasil certamente pesem sobre a carga de pagamento de juros. Os bancos brasileiros estão bem capitalizados e líquidos. O sistema financeiro tem níveis de adequação de capital significativamente acima do índice mínimo de Basileia de 8%, bem como acima do mínimo regulatório brasileiro de 11%. Enquanto bancos menores poderão passar por um processo de consolidação ao longo do tempo, há pouca dúvida sobre a robustez dos grandes bancos no Brasil, e a saúde do sistema financeiro brasileiro como um todo.

Marcelo Carvalho é economista-chefe para a América Latina do BNP Paribas