Título: 'Minha Casa' entrega projeto incompleto
Autor: Máximo, Luciano
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2011, Especial, p. A14

Habitação: Unidade de saúde, escolas e creche de conjunto com mil casas, em São Carlos, serão concluídas em um ano

De São Carlos (SP) Diante da futura casa, que ainda não tem o contrato assinado e requer acabamento, o pedreiro Edinaldo Vicente faz planos de ampliação. O imóvel de dois dormitórios do programa federal Minha Casa, Minha Vida, desenhado para famílias com renda mensal de até três salários mínimos, é apertado para ele, a esposa - grávida de oito meses - e os quatro filhos. Apesar disso, o espaço da churrasqueira está garantido na casa nova."O quinto filho, uma menina, vem aí. Vai precisar mais um quarto, banheiro, aumentar a cozinha. E a churrasqueira tem que ter, é a nossa primeira casa", diz Edinaldo, que mora com a sogra. Moacir Souza, que trabalha como autônomo na construção civil e vive com a mulher e os três filhos em uma casa emprestada pelo irmão, conta os dias para mudar e planeja levantar mais um quarto e construir uma garagem. "Falaram que em setembro já podemos mudar. Chega de morar de favor. A casa é bem feitinha, tem o essencial, o piso a gente mesmo coloca."

Edinaldo e Moacir estão entre as mil famílias de baixa renda que vão morar no loteamento de mil unidades habitacionais do Jardim Deputado José Zavaglia, na periferia de São Carlos, cidade do interior paulista. O conjunto, previsto para ser entregue nas próximas semanas, é um dos maiores empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida para a faixa de renda que vai de zero a três salários mínimos. Idênticas, as mil casinhas estão de pé. A liberação das residências aos moradores beneficiados pelo governo federal depende apenas da conclusão do calçamento e da arborização das ruas. Mas o megaprojeto esbarra em um problema histórico no Brasil: empreendimentos públicos dirigidos a moradias de interesse social sempre entregam as casas primeiro, enquanto a infraestrutura urbana do local e os equipamentos públicos essenciais, como praças, escolas e unidades de saúde, só vêm depois. Em São Carlos não é diferente. Vindos de diferentes partes da cidade, mais de 5 mil idosos, deficientes físicos, homens, mulheres e crianças começarão a povoar o novo bairro e a demandar uma série de serviços, que estarão indisponíveis. Previstos no projeto inicial do conjunto habitacional, as duas praças, a creche, a pré-escola, o colégio de ensino fundamental, o centro da juventude e a unidade de saúde ficarão prontos com até um ano de atraso.

Para o arquiteto urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, ONG fundada em 1987, voltada a estudos e assessoria em políticas sociais, o Minha Casa, Minha Vida não incorre mais em antigos problemas habitacionais, que previam a construção de milhares de casa sem a preocupação com pavimentação, rede de esgoto e iluminação das ruas.

"Isso está superado, uma vez que o programa exige infraestrutura básica na contratação de cada projeto. Mas a ausência de equipamentos públicos é outra prática antiga no país e completamente inadequada, principalmente considerando o perfil econômico dos moradores, que precisam dos serviços básicos e não têm dinheiro para acessá-los em locais distantes", diz Nakano. Como resultado, o mais velho dos quatro filhos de Vicente não vai mudar para a casa nova até os pais conseguirem vaga numa escola mais próxima do bairro. "Ele estuda na Água Vermelha, do outro lado da cidade, fica difícil o transporte. Por enquanto continua morando com a avó, perto da escola, e os outros filhos ficam em casa comigo. Vamos tentar ver uma vaga no Antenor Garcia e no Botafogo para a menina de cinco anos", relata Valdilene, mulher de Edinaldo, referindo-se a bairros vizinhos do Jardim Zavaglia. O prefeito de São Carlos, Oswaldo Barba (PT), admitiu que é difícil conduzir o projeto habitacional e as obras dos serviços públicos simultaneamente. "O dinheiro não sai." De acordo com João Muller, diretor-presidente da Prohab, autarquia municipal que coordena os projetos imobiliários de interesse social de São Carlos, uma das praças está em fase de terraplenagem. Já a creche, a escola e o centro da juventude passam por processo de licitação, enquanto a unidade de saúde está na fila de liberação recursos do Ministério da Saúde.

Nakano explica que a Caixa Econômica Federal, responsável pelo financiamento dos projetos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida, exige integração urbana completa em cada conjunto habitacional do programa. "Isso significa acesso a itens básicos de equipamentos públicos e infraestrutura urbana quando o empreendimento fica pronto e disponível ao morador."

Segundo Muller, a infraestrutura básica do empreendimento em São Carlos está resolvida, e os primeiros equipamentos públicos ficarão prontos em fevereiro. "A exigência do Minha Casa, Minha Vida é que os equipamentos públicos estejam num raio de dois quilômetros do empreendimento. Estamos correndo contra o tempo para deixar tudo pronto aqui, mas enquanto não é possível temos duas creches, posto de saúde e escolas no Antenor Garcia, bairro que fica a 600 metros", explica Muller.

"A infraestrutura básica está no contrato de financiamento. Para evitar esses problemas os equipamentos públicos também poderiam ser incluídos, mas isso pode atrasar as aprovações", afirma.

Outra alternativa seria copiar modelos estrangeiros de parcerias público-privadas. "As áreas de educação, saúde e habitacional poderiam trabalhar de forma articulada e antever os projetos de escolas, postos de saúde, dividindo responsabilidades com a iniciativa privada", sugere Nakano. Uma das praças do Jardim Zavaglia será paga por empresários de São Carlos.

As casas do Jardim Zavaglia foram construídas em um ano pela RPS Engenharia a um custo unitário de R$ 42 mil. A empreiteira, favorecida por isenção dos principais impostos municipais, chegou a montar no loteamento uma fábrica de blocos com capacidade de produção de 10 mil peças por dia para otimizar seu ganho e acelerar a obra.

As mil famílias do megaprojeto habitacional de São Carlos começaram a ser selecionadas em 2006. A administração municipal montou um cadastro que reuniu mais de 5 mil candidatos a moradias de interesse social. Essa lista foi aproveitada para o Minha Casa, Minha Vida. Depois da aprovação da Caixa, a prefeitura organiza sorteios para a escolha das residências.

No domingo passado, o evento tinha até animador de plateia, que enchia parcialmente o ginásio municipal da cidade. Entre um slogan e outro da prefeitura, o locutor gritava os nomes sorteados e cobrava aplausos. "Quem quer uma casa levanta o braço!". Das mil unidades, 9% foram reservadas para moradores de áreas de risco da cidade, 5% para deficientes físicos e 3% para idosos - com prioridade de escolha aos dois últimos grupos.

Depois do sorteio, cada um dos contemplados enfrentava três filas: uma para o cadastro do número da casa e da quadra, a segunda para o registro da ligação da água e da energia elétrica e a terceira para o recebimento do manual do morador. Em breve haverá novo mutirão, dessa vez para a assinatura do contrato e a entrega das chaves. A prefeitura de São Carlos e o Ministério das Cidades conversam dia sim, dia não, com o objetivo de escolher um "felizardo" para receber as chaves das mãos da presidente Dilma Rousseff, que poderá participar do lançamento oficial do conjunto habitacional.

Uma das primeiras pessoas sorteadas, a manicure Romilda Pereira dos Santos mal conseguia conversar. "O coração está disparando", resumiu. Depois de escolher a casa no telão, ela parecia perdida no meio do ginásio, sem saber para onde prosseguir e encaminhar a documentação. Precisou da ajuda de uma atendente, que, depois de lhe dar um abraço, indicou a fila certa.

"São pessoas simples, precisam de muita orientação. Antes de chegarem aqui, todos participaram de reuniões com o pessoal da Secretaria de Assistência Social, que contou a história da obra, deu explicações sobre o financiamento e as responsabilidades que terão quando estiverem vivendo no conjunto", explicou Muller, da Prohab.

Sem salário fixo e com renda familiar mensal que não chega a R$ 1 mil para sustentar os quatro filhos, Romilda e o marido pagarão 120 parcelas inferiores a R$ 100 pela nova casa, bem abaixo do aluguel atual, de R$ 250. "Em alguns casos, o subsídio governamental chega a 90% do valor do imóvel", diz Muller.

O soldador José Lopes Pantoja também vai sair do aluguel. Ele recebe por mês R$ 1,4 mil, teto da faixa de zero a três salários da primeira fase do Minha Casa, Minha Vida, e sua prestação da casa própria foi calculada em R$ 130. "A ficha ainda não caiu. É muita ansiedade, desde que demos entrada na papelada, no ano passado."

O conjunto habitacional fica a cerca de dez quilômetros do ginásio e da região central da cidade. O local será atendido por uma linha de ônibus já planejada, com saídas para o centro a cada meia hora. Recursos municipais e federais de R$ 2,6 milhões garantiram a construção de todas as vias de acesso ao novo bairro.

Estima-se que o Jardim Zavaglia terá média de cinco pessoas por habitação e que a maioria dos moradores terá necessidade de fazer alguma obra de ampliação. Por isso, a prefeitura formulou um plano inédito no âmbito do Minha Casa, Minha Vida. A administração vai oferecer gratuitamente oito modelos padronizados de alteração do projeto arquitetônico original. "Queremos evitar os puxadinhos, que o bairro cresça de forma desordenada e fique feio. Vamos dar oito alternativas de plantas. Se a pessoa quiser fazer um quarto e um banheiro, ou um novo quarto e mexer no quintal, o desenho estará pronto, não vai precisar gastar com engenheiro", explica Muller.

Ele ressalta que o terreno de cada casa, de 200 m2, tem espaço suficiente para atender a todas as necessidades. "O padrão do Minha Casa, Minha Vida para famílias de baixa renda são lotes com terrenos de 120 m2 a 140m2. Sobrarão ainda 157 m2 para o morador deixar a casa do jeito que precisar, é muito terreno."

A dona de casa Valdilene sabe que a reforma não vai sair barato, levando em conta a renda mensal de R$ 800 da família. Vai ser preciso fazer muita economia para construir a cozinha dos sonhos e, de quebra, garantir a churrasqueira do marido Edinaldo. "Pegamos uma prestação R$ 50, não é muito. Vamos gastar mais agora com a neném, mas vai dar para guardar um pouquinho todo mês", planeja ela.

Edinaldo é mais otimista. "Meu pai vai dar todo o material, e como trabalho com construção, vou botar a mão na massa e chamar os amigos para ajudar. Em pouco tempo a gente vai fazer um churrasquinho aqui."