Título: Rebaixamento agora ameaça outros países
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 08/08/2011, Finanças, p. C1

De Genebra

A perda pelos Estados Unidos do rating "AAA" (livre de risco) simboliza um momento da fragilização do poderio econômico americano, mas não é um desastre completo, avaliam analistas. E, no cenário de riscos de contágio, o rating duplo A pode se tornar o novo triplo A.

O rebaixamento americano elevou a pressão sobre outros países com rating "AAA". Para Mohamed A. El-Erian, CEO do fundo de investimentos Pimco, um dos maiores do mundo com US$ 1,2 trilhão de ativos, é difícil imaginar que, tendo rebaixado os EUA, Standard & Poor"s não reduza em seguida pelo menos um outro membro do clube fechado dos paises mais confiáveis financeiramente.

A França é o país com as projeções de divida mais elevada até 2015 comparado a outros com triplo A como Alemanha, Canadá e Grã-Bretanha. Mas o economista-chefe na Europa da S&P, Jean-Michel Six, repetiu ontem em rádios em Paris que o triplo A da divida soberana francesa é "estável" e será mantido.

A redução da nota americana é o mais claro sinal de que as consequências da crise financeira global serão sentidas ainda por vários anos, diz Paul Dales, principal economista para os EUA da consultoria Capital Economics.

A expectativa é de que a reação negativa do mercado seja temporária. A alta no rendimento dos títulos do Tesouro e queda do dólar deverão ser relativamente de curto prazo. E, quando a poeira baixar, o foco voltará para os fundamentos, com a debilidade dos EUA e da Europa alimentando os riscos de outra recessão

A S&P justificou a decisão citando a "débil e improvisada politica fiscal" americana. A administração de Barack Obama manteve o ataque ontem contra a agência, exemplificando com um erro de US$ 2 trilhões nas projeções da agência. "O histórico da S&P é terrível e em aritmética é ainda pior", juntou-se ao coro Lawrence Summers, ex-secretário do Tesouro americano.

A agência havia calculado que o corte do déficit precisava alcançar US$ 4 trilhões para frear a dinâmica da divida no médio prazo. Na sexta-feira, a agência ameaçou de rebaixar os EUA de novo para "AA" nos próximos dois anos, se o corte de US$ 2,4 trilhões não for implementado, se os juros subirem e a pressão fiscal, resultante de menor crescimento econômico, causar mais débito governamental do que previsto atualmente.

E esse risco é forte. Para o Instituto Internacional de Finanças (IIF), que representa os maiores bancos do mundo, mesmo o modesto corte acertado no déficit afeta as perspectivas já baixas para a expansão da economia americana, e pode não ser suficiente para a divida pública cair para 100% do PIB em 2012.

Paul Dales e outros economistas evitam dramatizar ainda mais o impacto da degradação da nota americana por uma série de razões. Primeiro, o rating "AA+" mantem os EUA com capacidade "extremamente forte" para honrar suas obrigações financeiras, como a própria S&P sublinhou. E o triplo A perdido não é para sempre. Canadá e Austrália recuperaram sua nota máxima alguns anos depois de terem sido rebaixados.

Além disso, poucos investidores estão forçados a manter apenas papéis "AAA" em seus portfólios. O Federal Reserve, o BC americano, na sexta-feira apressou-se a confirmar que os títulos públicos americanos continuariam a ter o "alto grau e 0% de risco ponderado" para bancos sob as normas do Acordo de Basileia II de exigências de fundos próprios das instituições financeiras. Essa é a situação enquanto as duas outras grandes agencias de risco de crédito, Moody"s e Fitch, mantiverem o "AAA" para os Treasuries. A primeira considerou uma decisão "prematura" e a Fitch diz ainda não ter decidido.

Igualmente não se espera grande distúrbio nos fundos "money market", porque eles investem centenas de bilhões de dólares em títulos de curto prazo com suas próprias notas de risco. Ou seja, não deverá haver um despejo no mercado de títulos da divida pública americana.

Menor rating de crédito significa custo maior nos empréstimos, e todos os ativos em dólar poderão sofrer no primeiro momento. Mas analistas notam que a fraqueza econômica e baixa inflação significa manutenção de juros baixos por mais alguns anos, de forma que os rendimentos dos Treasuries continuarão baixos. Ou seja, o dinheiro terminará voltando para os "US Treasuries" na medida em que são ativos muito líquidos.

Atualmente os Treasuries americanos representam 30% de todos os países com triplo A globalmente. E diante das poucas alternativas no cenário de incertezas e aversão ao risco, duplo A poderá ser o novo triplo A, na avaliação de Michel Mackenzie, em comentário no jornal Financial Times. (AM)