Título: Um nanoinvestimento
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 27/08/2010, Brasil, p. 10

Do valor repassado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia a centros de pesquisa e universidades, apenas 5% foram investidos em projetos de materiais em minúsculas dimensões, que são, teoricamente, prioridade do governo

O Brasil está deixando de lado as pesquisas em nanotecnologia, consideradas estratégicas para o desenvolvimento científico nacional. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado ontem mostra que, de 2000 a 2007, o governo federal investiu R$ 195,3 milhões em projetos relacionados a nanopartículas. O valor corresponde a apenas 5,02% do total repassado a universidades e centros de pesquisa por meio dos fundos setoriais do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

Isso é muito pouco em oito anos. A nanotecnologia é prioridade para o próprio governo, mas, até agora, não se criou nenhum fundo setorial específico para ela, critica Samuel César Júnior, autor da pesquisa do Ipea. Os fundos setoriais são a principal fonte de financiamento das pesquisas da área, que dependem da aquisição de equipamentos caros. Nos Estados Unidos, o investimento em nanotecnologia para o ano que vem será 16 vezes maior do que o gasto pelos brasileiros desde 2000.

Samuel lembra que nenhum país tem o domínio completo da área e, por isso, esta é a hora de apostar no desenvolvimento de novas técnicas de controle de materiais em pequenas dimensões (leia Para saber mais). Nos últimos dois anos analisados pelo Ipea, contudo, houve queda no repasse de verbas para projetos relacionados à nanotecnologia de R$ 61,5 milhões em 2006 para R$ 46,8 milhões em 2007.

Câncer O MCT reconhece que não há dinheiro suficiente para lançar muitos editais com foco no estudo de nanopartículas. Esse é um assunto transversal, podemos encontrá-lo na medicina, na engenharia, na química. Por isso, tentamos favorecer uma área de cada vez, explica o coordenador de nanotecnologia da pasta, Mário Baibich. Outro problema enfrentado pelos cientistas brasileiros é a burocracia na entrega das máquinas compradas com ajuda dos fundos setoriais.

O professor Sebastião William da Silva, do Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB), aguarda a chegada de dois equipamentos adquiridos em projetos enviados ao MCT. A nossa dificuldade é que tudo é muito caro. Nós conseguimos aprovar grandes repasses, mas os aparelhos demoram a chegar e as pesquisas atrasam, conta. Sebastião estuda nanopartículas magnéticas para aplicação na medicina. No futuro, estudos como o do professor da UnB poderão gerar substâncias mais eficazes para o tratamento do câncer, uma vez que as nanopartículas serão levadas para o exato lugar onde devem agir no organismo.

Em outra frente, pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas analisam alternativas ao uso do silício na fabricação de computadores. Ainda na parte teórica, o estudo coordenado pelo professor Hidemberg Frota sugere que o grafeno considerado o metal mais fino do mundo pode ser a nova matéria-prima da indústria de eletrônicos. O estado de Hidemberg é um dos que menos recebeu repasses para pesquisas nano: 0,3% do total investido em oito anos pelo MCT. O nosso principal problema é a falta de professores da área experimental que elaborem projetos. Fizemos três concursos, mas nenhum candidato apareceu. Os pesquisadores do Sul e do Sudeste não querem se deslocar para Manaus, diz.

Isso (o valor) é muito pouco em oito anos. Até agora, não se criou nenhum fundo setorial específico para ela

Samuel César Júnior, autor da pesquisa do Ipea

Conquistas milimétricas

Filtro solar A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com a farmacêutica Biolab, criou um bloqueador solar mais resistente. Graças à nanoencapsulação de filtros químicos orgânicos, o produto é mais eficiente contra os raios ultravioleta

Secador de cabelos Além de arrumar o visual, o eletrodoméstico desenvolvido pela empresa Nanox e por cientistas das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Federal de São Carlos (UFSCar) limpa o ar. Nanopartículas de dióxido de titânio são expelidas e eliminam fungos e bactérias do ambiente.

Computadores Professores da Universidade Federal do Amazonas estudam modelos teóricos a nível nano do grafeno, metal que pode substituir o silício na fabricação de máquinas eletrônicas.

Remédios Na UnB, pesquisadores analisam o comportamento de nanopartículas magnéticas para aplicação na medicina. A ideia é que essas substâncias possam melhorar a ação de medicamentos, direcionando o local onde eles devem agir e minimizando os efeitos colaterais.

Para saber mais Uma ciência grandiosa

A nanotecnologia é a ciência que busca controlar materiais em escala nanométrica, ou seja, de tamanho mil vezes menor que 1 milímetro. Para se ter uma ideia, é como dividir a cabeça de um alfinete em um milhão de partes para tentar descobrir como essa amostra se comporta.

Isso é importante porque os materiais têm propriedades alteradas quando estão em tamanho reduzido. A primeira vez que pesquisadores perceberam esse potencial foi em 1988. Naquele ano, os físicos Albert Fert, da França, e Peter Grünberg, da Alemanha, descobriram que estruturas metálicas em dimensões mínimas ficavam 50% mais resistentes.

Se isso parece muito abstrato, imagine que, graças a essa pesquisa, diversos dispositivos computacionais ficaram menores e com capacidade de armazenamento cada vez maior. Hoje, o estudo já está incorporado a diversas áreas do conhecimento. Além de deixar materiais mais resistentes, é possível fazer com que eles cumpram funções específicas, determinadas pelos cientistas em laboratório.