Título: Legenda foi o principal suporte civil ao golpe de 1964
Autor: Vandson Lima
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2011, Especial, p. A18

Do Rio

A pecha golpista que carimba o passado da UDN é o maior entrave às pretensões dos que pretendem refundá-la sob inspiração da bandeira legalista.

Mauro Magalhães recorre ao rompimento entre Carlos Lacerda e Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar, para oferecer uma contestação. Pelo acordo entre os dois, Castelo faria a transição e garantiria as eleições livres em 1965, mas não cumpriu a promessa. Seu mandato foi prorrogado e as eleições que fariam seu sucessor foram suspensas. "Ali, Lacerda disse que, se houvesse a prorrogação do governo dos militares, eles ficariam 20 anos. E foi o que aconteceu".

O argumento de Eduardo Santarelli Manno, que também remete às minúcias do golpe de 1964 - e, igualmente, não explica os propósitos golpistas da UDN em ocasiões anteriores, vai na linha dos que consideram a instauração do governo militar como necessária. "Um milhão de pessoas compareceram, só na Guanabara, na Marcha da Família [com Deus pela Liberdade, nome dado à série de manifestações de setores conservadores da sociedade brasileira]. O discurso de Jango era altamente socialista. O golpe foi justificado", considera.

Fundada em 1945, a UDN se notabilizou pela oposição implacável às políticas e à figura de Getúlio Vargas, que se suicidou em 1954. Em 1955, tentou impedir a eleição e a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek e de seu vice-presidente, João Goulart. De orientação conservadora, a UDN concorreu com candidaturas próprias em três eleições presidenciais. Derrotada em todas, apoiou em 1960 Jânio Quadros (PTN), para depois romper com ele. Em 24 de agosto de 1961, em discurso transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, Lacerda denunciou uma suposta trama palaciana de Jânio, que pretendia fechar o Congresso Nacional para dar um golpe de Estado. O presidente renunciou no dia seguinte.

Jango, novamente eleito vice-presidente - à época, a escolha do presidente e do vice não eram vinculadas - tomou posse, mas foi derrubado pelo golpe militar de 1964, por sua vez respaldado por Lacerda e a UDN. Como os demais partidos, a sigla foi extinta pelo Ato Institucional nº 2, em 1965. Vários de seus integrantes aderiram à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido situacionista.

Em 1966, Juscelino Kubitschek, o deposto Jango e Lacerda articularam a "Frente Ampla" de oposição ao regime militar, mas esta foi proibida de se pronunciar por portaria do então ministro da Justiça, Gama e Silva. O Ato Institucional Nº 5, de 13 de dezembro de 1968, cassou todos os principais personagens da Frente Ampla. "Foi dos movimentos mais bonitos da história do Brasil. Imagina eu, um menino [tinha 31 anos], no meio daqueles três grandes líderes. É o maior orgulho da minha vida", diz Mauro Magalhães.

Cassado, Mauro se afastou temporariamente da política, embrenhou-se no ramo imobiliário e criou o Clube do Rio, que reuniu notáveis como Mario Henrique Simonsen, Rui Barreto e Cândido Mendes de Almeida em torno da discussão dos problemas da cidade. Em 1982, foi convidado pelo então presidente da República, João Figueiredo, para concorrer ao governo estadual pelo PDS, mas declinou. "Figueiredo me chamou para uma conversa em Brasília, mandou um jatinho me buscar. Achei o convite muito elegante da parte dele, mas disse que precisava de liberdade para bater no Chagas Freitas [governador à época]", diz Mauro. "Isso não posso permitir. Chagas sempre me deu votos [de sua bancada estadual] nas votações secretas", teria dito Figueiredo.

Mauro participou da formação do PL (hoje PR) no Rio de Janeiro, na segunda metade da década de 1980. "Com o Álvaro Valle, era um partido sério", diz, sobre o primeiro presidente da sigla, falecido em 2000. Em 1993, publicou seu livro de memórias sobre Carlos Lacerda, intitulado "O sonhador pragmático", pela editora Civilização Brasileira. Por conta própria, fez outras duas edições, hoje vendidas em "duas ou três" livrarias cariocas. "Ainda pinga na minha conta bancária, todo mês, o valor de uns 80 livros. O nome Lacerda ainda pesa", afirma. (VL)