Título: A UDN, mais uma vez, é atropelada pelo PSD
Autor: Vandson Lima
Fonte: Valor Econômico, 16/08/2011, Especial, p. A18

Do Rio

Mauro Magalhães e Eduardo Santarelli Manno moram no Rio de Janeiro, ambos na Tijuca. O primeiro tem 76 anos, o outro completou há pouco 37. Eduardo tem Mauro como um de seus heróis, embora este não faça a menor ideia de quem Eduardo seja. Quando Eduardo nasceu, em 1974, Mauro já havia passado pelo que considera os dois grandes eventos de sua vida. Aos 29 anos, foi líder do governo de Carlos Lacerda no extinto Estado da Guanabara. Dali a dois anos, em 1966, participou da formação da Frente Ampla, grupo político que juntou Juscelino Kubitschek, João Goulart e Lacerda na luta contra o Regime Militar. Mauro e Eduardo não sabem, mas têm trabalhado nos últimos anos, separadamente, por um mesmo objetivo: refundar a União Democrática Nacional (UDN), partido que foi o braço civil do golpe militar de 1964.Angustiado com o que viu nas eleições presidenciais de 2010, Mauro Magalhães se uniu a Hélzio Mascarenhas, representante do Sindicato de Habitação do Rio no Congresso Nacional, seu amigo desde os tempos em que presidiu a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), em 1978. "Foi a pior disputa presidencial que eu já vi. A campanha do José Serra (PSDB) me deu raiva desde o início", afirma, apesar de ter votado no tucano "muito a contragosto".

Hélzio checou se alguém detinha os registros na web dos domínios "udn.org" e "uniaodemocraticanacional.org" e os descobriu livres. Usou o CNPJ do Instituto Avançado de Ideias, por ele criado, para o registro. Reuniu alguns amigos em sua casa, principalmente advogados, e começou a traçar a estratégia para relançar a sigla. Destes, o único nome revelado é o do cientista político Paulo Kramer, com quem Hélzio se reúne todas as terças-feiras, em Brasília, para tomar uísque e papear no que chamam de "Confraria do Planalto". Segundo Hélzio, o único político de expressão nacional com quem comentou sobre seus planos de refundar a UDN foi José Eduardo Cardozo (PT-SP), seu amigo. "Não diga isso nem de brincadeira", foi a resposta recebida do atual ministro da Justiça.

No início de 2011, Mauro estava pronto para correr o país levando o ideário udenista a quem quisesse se autodenominar efetivamente de direita. "Aí, o Gilberto Kassab [prefeito de São Paulo] lançou o partido dele e só se falava nisso. Não tinha como lançar dois partidos ao mesmo tempo. Ironicamente, fomos atropelados pelo PSD, de novo". Mauro se refere à disputa com o antigo PSD, sigla que abrigou os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Getúlio Vargas e com quem a UDN outrora disputou a proeminência da política brasileira.

Para Eduardo, administrador formado pela Sociedade Unificada de Ensino Superior e Cultura (Suesc), a ideia de recriar o partido começou a partir de uma frustrada busca por documentos que contassem a história da UDN. Sua família era simpatizante da sigla e uma tia havia trabalhado com Lacerda "na área da Saúde", embora ele não saiba precisar quão diretamente. "Há dois anos, comecei essa busca por maiores detalhes do que foi o partido. Minha família era udenista e me incomodava o fato de que a UDN se tornou culpada de tudo na política. Encontrei muito pouca coisa".

Aderiu então a uma comunidade na internet chamada "Volta UDN", que não era lá das mais movimentadas. "Tinha dois membros. Fui o terceiro". A comunidade tem hoje 98 membros e registra discussões longas e acaloradas sobre como refundar a sigla. Mas só 32 pessoas colocaram a própria foto no site. "As pessoas têm medo de aparecer e se dizer de direita", afirma.

Eduardo resolveu então tomar a causa pra si. Organizou um encontro em Porto Alegre com mais "umas 30 pessoas" para elaborar uma carta de princípios do partido, tudo combinado pela grande rede. Em abril, foi a São Paulo e participou de uma discussão sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos-3 (PNDH-3), organizada pelo Instituto Plínio Correia de Oliveira, nome que remete ao fundador da organização católica Tradição, Família e Propriedade (TFP) - que considera, entre outras coisas, o programa uma ameaça à segurança nacional que pode nos levar a uma ditadura bolchevique. Lá, falou de seu intento, segundo relata, a pessoas como o príncipe imperial Bertran de Orléans e Bragança e o jurista Ives Gandra Martins. Voltou ao Rio decidido e, por conta própria, abriu um pequeno escritório, de 18 metros quadrados, onde faz reuniões semanais com "três ou quatro pessoas", sobre os trâmites legais para refundar a UDN.

Sobre as bases ideológicas que sustentariam o renascimento do partido, as opiniões de Mauro, Hélzio e Eduardo convergem nas bandeiras. "No Brasil, Executivo, Judiciário e Ministério Público legislam. O Legislativo não, só ratifica. E a imprensa é quem julga", observa Hélzio. "Se um cara rouba o seu relógio, você vai à polícia. Agora, se um cara invade o seu terreno, você não pode tirá-lo", avalia Mauro. Eduardo oferece uma ideia do que acredita ser a solução para o conflito na distribuição de terras do país. "O maior dono de terras no Brasil é a União. Que pegue então as suas terras e distribua", sentencia.

Mauro e Hélzio se dizem favoráveis a uma reforma política que contemple o "distritão", sistema no qual os candidatos a cargos proporcionais mais votados são eleitos que tem no vice-presidente Michel Temer seu principal defensor. Eduardo defende que as pessoas possam andar armadas. "Por que desarmar a população? Nos lugares onde foi feito o desarmamento, não deu em nada", diz.

Sinal dos tempos, nenhum dos entrevistados se opõe à adoção de políticas de redistribuição de renda, como o Bolsa Família, ainda que ressalvem a necessidade de uma contrapartida. "A melhora da condição de vida é um avanço. Mas o Bolsa Família precisa incentivar o trabalho", diz Mauro.

Alguns pontos da proposta udenista não estão plenamente delineados. Questionado sobre uma passagem do programa partidário que enviou à reportagem e que pregava o "exame de sinais exteriores de riqueza como critério para incidência de imposto de renda", Eduardo Santarelli se enrolou na explicação e não soube precisar se a medida seria uma extensão à proposta para taxação de fortunas, defendida no PNDH-3. Ao final, admitiu que era uma questão para ser reavaliada.

Assunto espinhoso para um partido que quer resgatar "o valor da família e das Forças Armadas", nas palavras de Eduardo, a união civil entre pessoas do mesmo sexo, reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) este ano, deve ser pensada pela viés da legalidade, segundo Mauro Magalhães. "Os tempos mudaram muito, né? Isso realmente é chocante, mas temos que ir para a legalidade. Se foi aprovada a união civil, não tem que discutir, tem que cumprir".

O assunto claramente incomoda Mauro e Hélzio, o que fica perceptível durante o almoço com a reportagem do Valor no Iate Clube, no Rio de Janeiro, do qual Mauro é sócio há quase 40 anos. "A pergunta é capciosa, porque as pessoas ligam automaticamente a UDN a um pessoal do tipo Jair Bolsonaro [deputado federal, PP-RJ]", observa Hélzio, que então desanda a falar, sem ser perguntando, sobre temas tão díspares quanto Emenda 23, Código Florestal e Minha Casa Minha Vida por 14 minutos seguidos.

Mauro, Hélzio e Eduardo refutam a hipótese de usar um partido já existente como base para a UDN. "Não adianta fazer um bom programa com um monte de picareta. Nem fazer o que o Indio da Costa, que é meu amigo, falou, de "criar o partido e depois decidir o programa", como vai ser no PSD. Aí vira um ajuntamento...só não é de bandido, pelo menos espero", diz Hélzio.

"O udenismo é sempre tratado como "aquele pessoal que quer derrubar todo mundo", mas hoje não há reação dos jovens. A UDN pode ocupar esse espaço de moralidade. O nosso gesto é romântico", diz Mauro.

Entre os políticos que contam com a admiração dos udenistas, Mauro Magalhães destaca o vice-governador paulista Guilherme Afif Domingos (PSD), para quem fez campanha na disputa presidencial de 1989, a juíza e ex-deputada Denise Frossard (PPS-RJ), e os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Francisco Dornelles (PP-RJ), que costuma frequentar sua casa.

Hélzio Mascarenhas, mais heterodoxo, simpatiza com Cardozo e os senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Demóstenes Torres (DEM-GO). O senador goiano também é dos preferidos de Eduardo Santarelli, que cita ainda Álvaro Dias (PSDB-PR). O que não quer dizer que a UDN, se chegar de fato a renascer, buscará tais lideranças para os seus quadros. "Quero um partido pequeno, porém coeso, liberal e que traga os jovens. É aquela história, o preço da liberdade é a eterna vigilância", afirma Mauro, com direito à citação do lema udenista que marcou a campanha do brigadeiro Eduardo Gomes à Presidência, em 1945. A ideia tanto de Mauro Magalhães quanto de Eduardo Santarelli é pôr o partido de pé para as eleições de 2014.