Título: Tesouro manobra e reduz economia
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 27/08/2010, Economia, p. 13

Mesmo com receitas recordes, governo diminui em R$ 10 bi a poupança prevista para o acumulado de janeiro a agosto. Desconfiança cresce

O alarmante nível de deterioração das contas públicas levou a equipe econômica do governo Lula a refazer as contas e assumir, publicamente, que não terá condições de cumprir a meta de superavit primário prevista para os primeiros oito meses do ano. A revelação foi feita pelo secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ao informar que a economia estimada para o pagamento de juros da dívida entre janeiro e agosto foi reduzida em R$ 10 bilhões de R$ 40 bilhões para R$ 30 bilhões.

Nem mesmo a maior arrecadação já vista na história recente do Brasil foi suficiente para equilibrar as contas do governo, devido aos ímpeto das despesas eleitorais. O governo central registrou, no mês passado, superavit primário de R$ 770,2 milhões, o pior resultado para meses de julho em 10 anos. No acumulado do ano, a economia para o pagamento de juros ficou em R$ 25,6 bilhões, próxima aos R$ 20 bilhões computados no mesmo período de 2009 quando o país ainda se debatia para se livrar os estragos provocados pela pior crise dos últimos 80 anos e tinha uma meta mais modesta para cumprir, de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

A explicação encontrada por Arno Augustin para a mudança das regras no meio do jogo e reduzir a meta intermediária do ano foi o ritmo de arrecadação, que, a despeito de não encontrar comparação em anos anteriores, teria, segundo ele, ficado aquém do esperado. Refizemos a meta para adequá-la ao fluxo real (de receitas) que estamos observando, justificou. O secretário destacou que as previsões quadrimestrais podem sofrer revisões e não precisam ser alcançadas, obrigatoriamente, mas servem como indicativo do rumo tomado pelas contas públicas no caso, de clara piora.

Para Felipe Salto, economista da Consultoria Tendência, o governo deve lançar mão de vários mecanismos que permitem o abatimento de despesas da meta de superavit, como as do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Será a única forma de apresentar ao público um resultado mínimo. Efetivamente, o primário será menor do que está previsto na lei (orçamentária), o que confirmará a menor transparência e o uso de manobras para cumprir a meta, afirmou. Até agora, o Tesouro pôde retirar do superavit global R$ 10,6 bilhões em gastos com o PAC. O total permitido para a redução é de cerca de R$ 30 bilhões, desde que efetivamente pagos.

Algo patético A defesa aguerrida de Augustin ao cumprimento integral do compromisso fiscal sem abatimento de despesas com o PAC virou motivo de piada e de descrença entre os analistas de mercado, uma vez que, para atingir os R$ 75,8 bilhões da meta definida para o governo central, será necessária a economia de mais R$ 50,2 bilhões nos próximos cinco meses, mais do que o dobro do realizado até agora.

É uma questão contábil simples. Você tem receitas crescendo num ritmo menor do que as despesas. A conta não vai fechar, afirmou o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. Para ele, a justificativa do Tesouro para uma meta menor não é consistente. O secretário disse que as receitas foram menores do que o esperado, mas bateram recordes. Ao mesmo tempo, esperavam arrecadação maior, mas defendiam que a economia está desacelerando. Alguma coisa não bate. Tem algo patético nessa avaliação, disparou.

Segundo os economistas, a única forma de melhorar um pouco o desempenho fiscal é praticar, a partir de agora, a política de controle na boca do caixa. O Correio mostrou, há pouco mais de uma semana, que esse filtro já ocorre para vários ministérios tanto para obras do PAC quanto para as emendas parlamentares, que secaram desde o início do mês. Na Pasta das Cidades, por exemplo, o prazo para a liberação de verbas pedidas ao Tesouro pulou, em agosto, de cinco para 15 dias. O reflexo disso é que o ritmo de crescimento dos gastos com investimentos caiu de 72% para 67% de junho para julho.

E eu com isso

A política de aumentar os gastos para inflar o capital político da petista Dilma Rousseff na disputa pelo Palácio do Planalto pode custar caro aos cidadãos. A herança maldita será sentida no próximo governo, que, diante do descontrole fiscal deste ano, terá que fazer um ajuste mais forte nas contas públicas para recolocar a locomotiva nos trilhos. Com isso, serão prejudicados investimentos em áreas vitais como educação, saúde, segurança e assistência social, que vão muito além das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que privilegia a infraestrutura, uma vez que o país convive há décadas com falta de estradas, de portos e de saneamento básico, limitando o crescimento econômico e o bem-estar dos cidadãos.