Título: Governo está dividido entre inflação e câmbio
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 15/07/2011, Brasil, p. A2

Assim que assumiu o governo, a presidente Dilma Rousseff fez uma clara opção: investir todo o capital político colhido nas urnas para combater a inflação que herdara do seu antecessor. Foi por essa razão que ela anunciou, ainda em janeiro, que não pretendia patrocinar reformas estruturais que a tornassem refém do Congresso.

O ajuste fiscal necessário para frear o aumento do gasto público e ajudar a conter os preços - ao cortar as emendas parlamentares e os restos a pagar do Orçamento - já criaria um contencioso de bom tamanho junto a deputados e senadores. Era melhor não abrir outras arestas, com temas espinhosos como reformas da previdência social e do mercado de trabalho, dentre outras.

A realidade mostra-se, porém, bem mais intrincada. A inflação resiste e ameaça um repique no último trimestre do ano, ao mesmo tempo que a valorização da taxa de câmbio se acentua com rapidez e debilita a indústria.

A presidente recomendou à equipe econômica cuidado com as medidas cambiais. Uma reversão da apreciação do real pode comprometer mais o controle dos preços. Está claro que parte da aceleração da inflação em 2010 decorreu da internalização da alta das commodities no mercado internacional, pois o governo de então não permitiu que a valorização da moeda doméstica neutralizasse aquele impacto.

Indústria corre risco e BC está com sobrecarga

Teme-se que, após a queda da inflação deste inverno, que está cedendo menos do que se esperava, os dissídios salariais e a entressafra de grãos e da cana-de-açúcar comprometam a inflação do fim do ano, tal como ocorreu no ano passado. E 2012 já começa com o reajuste de 14% para o salário mínimo.

Diante do quadro de objetivos conflitantes - controlar a inflação e frear a apreciação do real para salvar a indústria -, há uma preocupação legítima no mercado: a de que o Banco Central esteja prestes a repetir o erro de 2010, quando interrompeu o ciclo de aperto monetário antes da hora e a inflação correu frouxa por todo o segundo semestre.

Na carta do Ibre/FGV, intitulada "É Preciso Tirar do BC o Fardo de Objetivos Contraditórios", os economistas da fundação abordam esses temas e mostram que o cenário, hoje, é de imensa complexidade. Nele se misturam questões conjunturais (como a política fiscal expansionista nos EUA) e estruturais (o crescimento da China e da Índia). A combinação do excesso de liquidez internacional com o aumento dos preços das commodities contribuiu para a apreciação do real e para o encolhimento da indústria nacional.

Não se sabe, porém, o que nesse novo mundo é realmente conjuntural, embora possa ter vida longa, e o que é mudança estrutural e, portanto, restaria à economia brasileira se adaptar. Também não está claro se a piora do desempenho da indústria brasileira - praticamente parada desde abril de 2010 - advém dos aumentos da Selic, ou se é consequência dos ganhos nos termos de troca pela alta das commodities e apreciação do real (que levam a uma taxa de câmbio inviável para alguns setores industriais).

Uma avaliação mais abrangente dos dados chama a atenção. Em 2000, os manufaturados respondiam por 59% da pauta de exportação. Os primários eram responsáveis por 22,8%. No ano passado, essa relação ficou praticamente meio a meio e este ano já se inverteu. No primeiro semestre, as exportações de primários responderam por 47,48% da pauta e a de manufaturados, por 36,67%.

Custou muito ao país montar o parque industrial de hoje, que jogou um papel importante na diversificação das exportações brasileiras, assinala Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). O setor é visto como crucial para avanços da produtividade ligados à tecnologia, conforme advoga uma corrente de economistas. "Ao dar ênfase ao efeito passageiro do excesso de liquidez, a criação de mecanismos para evitar um encolhimento profundo da indústria nacional faz todo sentido", diz a carta. "Caso esse cenário se verifique, a indústria exportadora teria sido preservada", completa.

Deixar a taxa de câmbio se apreciar para conter a inflação pode afundar a indústria. Aumentar os juros para combater a inflação valoriza mais o câmbio. Colocar restrições à apreciação da moeda pode agravar o quadro inflacionário. Rever o reajuste do salário mínimo é impensável.

"Assim, o caminho da política econômica é estreito e apresenta riscos", diz a carta do Ibre. As dificuldades expostas, como se vê, transcendem a alçada do BC, mas a autoridade monetária acaba sendo cobrada e criticada por ser "gestora de última instância de uma estratégia com objetivos contraditórios".

Diante dos dilemas colocados, cabe ao Banco Central "se agarrar ao seu papel central, e para o qual está bem aparelhado para lidar, que é o cumprimento da meta de inflação", conclui o texto elaborado pelo Ibre.

Se intervenções fortes no câmbio são incompatíveis com a missão do BC de levar a inflação para o centro da meta em 2012, de nada adiantará sobrecarregá-lo com objetivos inalcançáveis.