Título: Enfim, a usina sai do papel
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 27/08/2010, Economia, p. 16

Belo Monte, terceira maior hidrelétrica do mundo e alvo das críticas de ambientalistas por 30 anos, tem sua concessão assinada e promete operar a primeira turbina em 2011

A polêmica usina de Belo Monte, localizada no Rio Xingu (PA), vai finalmente sair do papel depois de 30 anos de críticas, a última delas envolvendo empreiteiras que blefaram contra o governo na tentativa de lucrar mais com a obra. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o contrato de concessão que transfere ao consórcio Norte Energia, formado pela estatal Eletrobras e empresas privadas, a construção e exploração da terceira maior hidrelétrica do mundo, com capacidade instalada de 11 mil megawatts. Depois de enfrentar a oposição de movimentos sociais, de comunidades indígenas e até do diretor de Avatar, James Cameron, o empreendimento promete inaugurar sua primeira turbina no fim do ano que vem.

A primeira turbina vai funcionar em dezembro de 2011 e a obra deverá ficar pronta ainda em março de 2012. Portanto, Zimmermann (Márcio Zimmermann, ministro de Minas e Energia), teremos aí menos de 20 meses com turbinas funcionando e não 30 meses como você disse, comentou Lula, com o assessor, durante cerimônia no Palácio do Planalto da assinatura da concessão. O que está acontecendo hoje aqui vai passar para a história. Estamos tornando possível algo que durante 30 anos parecia impossível. Isso porque o Estado brasileiro é mais Estado do que era há um tempo atrás, completou o presidente, em traje informal (vestia uma camisa branca e não usava gravata), para uma plateia de engravatados.

Lago menor Carlos Nascimento, presidente da concessionária formada por 18 empresas, informou que os acionistas poderão fazer um aporte total de até R$ 560 bilhões até o fim do ano para dar a arrancada no projeto. Mas, para isso, o consórcio vencedor depende ainda da licença ambiental para dar início às obras civis. Para um empreendimento desse porte, nenhum dos acionistas recusou-se a fazer qualquer aporte que foi proposto, disse ele, acrescentando que o financiamento pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) deverá sair somente em 2011. Enquanto aguarda a liberação ambiental, Belo Monte cuida dos últimos detalhes dos contratos com os fornecedores. Os estudos econômicos financeiros estão sendo feitos e, dentro de 10 dias, teremos o anúncio, disse o diretor de Engenharia da Eletrobras, Valter Cardeal. A usina exigirá investimentos em torno de R$ 19 bilhões, mas as construtoras Odebrecht e Camargo Corrêa, que desistiram de disputar o leilão como investidoras, sob a alegação de que as obras chegariam a R$ 30 bilhões, associaram-se ao consórcio vencedor para tocar apenas a parte civil, agora, reavaliada em R$ 15 bilhões, metade do custo.

Muito antes do polêmico leilão de abril, que precisou da intervenção do governo para que a competição fosse garantida, a usina do Rio Xingu enfrentou críticas sobre a forte intervenção ambiental na Região Amazônica. Mas Lula destacou o fato de o empreendimento ter sido totalmente modificado para atender as exigências. O que estamos empreendendo hoje é menos agressivo ao meio ambiente do que era o projeto original, que era, no mínimo, 50% maior. O lago era muito maior, lembrou.

Monumento à perereca

Em sintonia com o figurino despojado (de camisa e sem gravata), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a cerimônia de assinatura do contrato de concessão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA), para dar um tom cômico a seu discurso. Ele defendeu a construção de um monumento à perereca, o pequeno anfíbio que virou o centro das atenções ao se transformar, no ano passado, em uma pedra no caminho das obras do arco rodoviário metropolitano do Rio de Janeiro, projeto integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e vitrine da campanha da candidata petista Dilma Rousseff à Presidência.

Com 145 quilômetros de extensão e orçamento em torno de R$ 1 bilhão, o arco teve a construção do trecho na Baixada Fluminense interrompida durante seis meses, porque atravessava uma região na qual foi encontrada a rã Physalaemus soaresi, enquadrada na categoria em extinção. Quando fui inaugurar um viaduto lá na BR-101, no Rio Grande do Sul, pedi ao Paulo Sérgio (Paulo Sérgio Passos, ministro dos Transportes) que eu quero fazer um monumento à perereca que parou uma obra por seis meses. E agora a obra tem um outro problema, porque descobriram um outro lugar com a ova dela e a ela parou também, disse Lula, no Palácio do Planalto, arrancando risos da plateia.

Livro Tem que se fazer um monumento à perequinha junto com a placa do viaduto, brincou o presidente, sugerindo ainda a produção de um livro com os casos hilariantes envolvendo os projetos de infraestrutura tocados no país. Ao fim do discurso, o presidente Lula confidenciou que ele mesmo fez vários discursos contra a construção de Belo Monte, mesmo sem ter conhecimento do projeto. Vocês não imaginam quantos discursos fiz contra, sem saber o que era. Eles me diziam, eu falava. E é exatamente no meu governo que acontece Belo Monte, ironizou. (RH)