Título: Fique de olho no dragão
Autor: Pavini , Angelo
Fonte: Valor Econômico, 02/09/2011, EU & Investimento, p. D1

A surpreendente decisão do Copom de reduzir os juros em 0,5 ponto porcentual conseguiu provocar uma das maiores turbulências do mercado brasileiro dos últimos meses. Desmontou e derrubou as projeções de quase todas as casas para os juros, aumentou o receio de alta da inflação, acelerou as estimativas de queda do juro real da economia e acrescentou um ingrediente de imprevisibilidade para as políticas do Banco Central (BC). Para o investidor, é hora de rever as estratégias diante de um novo cenário, especialmente na renda fixa, onde o dragão da inflação volta a ser um risco a ser considerado.

O mercado tirou duas interpretações da medida. A primeira, que o BC e o governo vão aceitar uma inflação mais alta para garantir um crescimento maior da economia. E isso apareceu nas projeções de inflação embutidas nos títulos públicos. A NTN-B para 2014, corrigida pelo IPCA, passou a projetar uma inflação de 6% ao ano, para 5,85% no dia anterior. A maior dos últimos seis meses.

A segunda interpretação é de que o BC está antecipando uma recessão mundial que ainda não aparece nos radares de outros países emergentes. Em ambos os casos, a recomendação é de cautela, afirma Rogério Bastos, sócio da Finplan, empresa de planejamento financeiro. "Tem muita gente empolgada com a queda dos juros, e poucos estão olhando o motivo por que o BC fez isso", diz. Para ele, os papéis de consumo dispararam ontem e podem já ter antecipado boa parte dos ganhos do crescimento maior do país. E se o cenário for de recessão mundial, a economia brasileira e a bolsa também sofrerão no longo prazo.

Com relação ao juro real, a situação é uma das piores dos últimos tempos, afirma Bastos. "Há previsão de nova redução da taxa na próxima reunião e ao mesmo tempo previsão de alta da inflação, então a tendência do juro real é ficar bem menor".

A política econômica do país mudou, resume Raphael Martello, economista da Tendências Consultoria. E todos os investimentos são prejudicados pela incerteza maior, avalia. "Podemos ter ganho no curto prazo das empresas ligadas ao consumo doméstico, mas não se sabe por quanto tempo esse benefício vai acontecer, pois mais adiante há o risco de crescimento menor da economia com inflação maior".

Assim, o mercado deve procurar mais aplicações pós-fixadas, pois aplicações prefixadas são um risco em um ambiente de possível deterioração da inflação. Entre as opções pós estão os títulos indexados à inflação, como as NTNs-B, ou ao juro diário, como as LFTs, os CDBs atrelados ao CDI e fundos DI. Correm maior risco os prefixados como as LTNs e os fundos de renda fixa. Ações cujas receitas são indexadas à inflação, como as elétricas, também podem ser opções. "Os agentes sabem que a partir de agora a inflação é mais alta."

A expectativa da Tendência é de que a taxa Selic deva cair mais 1,5 ponto percentual, para 10,5% no começo do ano que vem, com 0,5 ponto em cada uma das próximas três reuniões do Copom. "Isso acaba sendo bom para a bolsa no curto prazo, pois o crescimento da economia vai continuar sem restrições, mas vai resultar em inflação mais alta em meados de 2012", diz Martello.

A tendência é de que a queda dos juros seja acompanhada de índices de inflação acumulada em 12 meses menores no curto prazo. "Mas será um efeito estatístico, pois sairá um mês de inflação alta de 2010 e entrará um um pouco menor de 2011", explica. O importante, porém, é que a inflação deve superar o teto da meta, de 6,5%, este ano, e ficará acima de 6% também em 2012. "Não achamos que o impacto do cenário externo será tão forte a ponto de derrubar a inflação de uma maneira que justifique o corte nos juros", afirma.

Para Martello, o BC apostou em um cenário internacional possível, mas pouco provável de acontecer. E a inflação mantendo-se em alta em 2012 pode bater na renda real dos trabalhadores e no consumo, afetando as empresas e, por tabela, a bolsa. "A demanda não é sustentável no longo prazo, pois a inflação e a incerteza vão minando os investimentos das empresas e isso pode bater no mercado de trabalho".

De meados de 2012 para frente, há muita incerteza, avalia Martello. Será preciso avaliar se haverá alguma pressão política para o BC voltar a perseguir o centro da meta de inflação, de 4,5%. "Como os parâmetros mudaram, é difícil fazer projeções para depois do início do ano que vem", diz.

O dólar pode ser beneficiado pelas mudanças, uma vez que a incerteza e a elevação do risco atribuído ao país podem levar a moeda para R$ 1,60 até o fim do ano, estima Martello. "Mas o viés é claramente de alta".

Nos próximos meses, se o mercado achar que não vai ocorrer a recessão global que o BC está esperando, a tendência é que a inflação embutida nos títulos do governo, como as NTNs-B, vão subir ainda mais. "O BC fez uma aposta e agora todos vão ver quem estava certo", afirma um operador de um grande banco que pediu para não ter seu nome citado.

Para ele, o investidor deve ficar mais atento daqui para frente aos dados macroeconômicos globais e locais divulgados diariamente. "Teremos os dados de emprego americano amanhã (hoje), depois o PIB brasileiro do segundo trimestre, todo resultado de atividade será importante para definir os juros", afirma. Já os dados de inflação passarão a ficar em segundo plano, como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos. "A China é onde se pode ter maior preocupação com a alta da inflação."